Papa quer pressionar governos a agir na Amazônia, diz relator do Sínodo

Dom Claudio Hummes rebateu insatisfações do governo brasileiro à agenda de evento com bispos

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Por Felipe Frazão
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A Igreja Católica quer pressionar o governo brasileiro a tomar medidas para cuidar da floresta amazônica e defende ajuda internacional ao País. É o que afirma o cardeal Dom Claudio Hummes principal nome do Sínodo para a Amazônia no Brasil. Segundo o religioso, isso não representa desrespeito à soberania nacional – uma preocupação do governo de Jair Bolsonaro –, mas quer chamar a atenção para os efeitos negativos da crise ambiental para o mundo.

“Há necessidade de empenho de toda a comunidade internacional e, sobretudo, dos responsáveis pelos destinos de cada País. O papa Francisco hega a dizer que é preciso se organizar para pressionar para que os responsáveis possam ter a força de realizar, porque será com grandes custos que isso tudo vai acontecer”, afirmou o cardeal nesta quinta-feira, 19, em Belém, na primeira entrevista concedida por ele após ter sido nomeado como relator do Sínodo dos bispos para a Amazônia, evento que ocorre em outubro, em Roma.

Debates.Bispos reunidos em Belém no último encontro preparatório ao Sínodo da Amazônia Foto: DIOCESE DE BELEM DO PARA

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Conforme revelou o Estado em fevereiro, a realização do Sínodo é vista com ressalvas por integrantes do governo brasileiro. O Palácio do Planalto quer conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição a Bolsonaro, no vácuo da derrota e perda de protagonismo dos partidos de esquerda. Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias.

No evento em Roma, bispos de todos os continentes vão discutir a situação da Amazônia e tratar de temas considerados pelo governo brasileiro como uma “agenda da esquerda”, como situação de povos indígenas, mudanças climáticas provocadas por desmatamento e quilombolas.

O encontro em Belém, que vai até sexta-feira, 30, serve como preparação para o Sínodo e conta com enviados do papa Francisco. Na quarta, 28, ao abrir a reunião, Dom Cláudio rebateu as preocupações do governo e atribuiu as críticas ao encontro dos bispos no Vaticano a “interesses ameaçados”. “Ouvimos vozes contrárias, vozes que resistem, vozes que têm medo e vozes que têm interesses muito fortes que se sentem um tanto ameaçados. Tudo isso que ouvimos por todos esses dias, ainda ontem (terça-feira, 27) a imprensa estava cheia desses assuntos, sobretudo, os jornais de São Paulo, o Estado de S. Paulo”, disse o cardeal , disse o cardeal.

Cardeal defende ajuda internacional à Amazônia

Nos últimos dias, com um número crescente de focos de queimadas no Brasil e outros países amazônicos, como a Bolívia, houve mobilização internacional para oferecer ajuda financeira, como os U$ 20 milhões do G-7. O Planalto não aceitou todas, depois de acusar intenções políticas na mobilização. O cardeal, no entanto, defende a ajuda.

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“Nós temos que ajudar o Brasil a cuidar de sua Amazônia. E o papa deixa claro que seria muito importante que a comunidade internacional ajudasse esses nove países a cuida de sua Amazônia, porque isso terá efeitos para o planeta inteiro, portanto para toda a comunidade internacional”, disse Dom Cláudio nesta quinta. “Isso se faz dentro da soberania nacional de cada País. A Igreja defende e promove essa soberania”, completou, respondendo a uma das preocupações do governo brasileiro.

O arcebispo metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa, que sedia o encontro, afirma que o clero amazônico tem mais conhecimento dos problemas locais do que outras instituições. Há, na fala dele, um recado aos militares, críticos a ameaça à soberania nacional.

"A força da Igreja é a força moral. Não temos exércitos, não temos poder econômico para pressionar, mas temos razões de nossa própria fé que queremos oferecer como contribuição”, disse. “Os bispos conhecem a realidade amazônica muito mais do que outras organizações existentes na sociedade, porque estão junto com seus padres, suas pastorais presentes diuturnamente na vida da nossa regia amazônica. Não estamos falando como quem vem de fora", afirmou o religioso.

Presidente da CNBB pede ‘entendimento’

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O presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Walmor Oliveira de Azevedo, pediu “entendimento por parte do governo” quanto aos objetivos da assembleia que discutirá temas ambientais e sociais sob a ótica religiosa.

“Quero focalizar a importância de uma compreensão, de uma participação e de apoio de toda a nossa Igreja ao acontecimento do Sínodo para a Amazônia”, disse d. Walmor, arcebispo de Belo Horizonte (MG) e um dos bispos integrantes da comitiva brasileira no sínodo, a maior de todas com 60 bispos.

O presidente da CNBB afirmou que a Igreja não é uma “organização não-governamental, um partido ou um clube de amigos”. Ele disse que “a comunhão é o ouro” dos católicos. Ele reconheceu a necessidade de "superar ruídos e equívocos internos" no clero, mas sem "tocar ou negociar o intocável e o inegociável".

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“Não tem sentido grupo nenhum ou qualquer segmento na Igreja atacar o Sínodo, atacar esta ou aquela perspectiva, pois está garantida sempre a fidelidade à verdade e ao bem", disse o arcebispo durante encontro da delegação brasileira em Belém. “Não somos políticos como Igreja, nós dialogamos com eles, não somos empreendedores do mundo, dialogamos com eles. Somos discípulos e discípulas de Cristo em diálogo à luz dos valores do Evangelho encontrando um novo caminho."

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