Crise e desilusão afastam jovem da política

Em SP, 67% dos que têm entre 16 e 24 anos não se interessam pelo tema, diz Ibope; falta de perspectiva ajuda a explicar distanciamento

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Por Matheus Lara
Atualização:

Amanda e Giovanna, ambas de 20 anos, reconhecem a importância de acompanhar a vida política de suas cidades, mas se mostram desiludidas com os debates e ações até sobre medidas que podem ter impacto direto no futuro da vida delas. As duas integram uma estatística que ilustra a dificuldade que é aumentar a participação de jovens na política. Um estudo realizado pelo Ibope e pela Rede Nossa São Paulo mostra que 67% das pessoas entre 16 e 24 anos na cidade não têm a mínima vontade de participar da vida política do município.

“É bem chato não querer participar”, disse Amanda Porfírio, técnica em nutrição. “Eu sempre me imaginava no lugar deles (políticos) fazendo mudanças, mas acho que a política virou somente um nome.” O ponto de vista é compartilhado por Giovanna Paulo, que trabalha como montadora numa fábrica de automóveis. “Sei que é importante acompanhar, mas não me vejo refletida na política.”

Amanda, de 20 anos, perdeu vontade de participar: 'Política virou só um nome' Foto: DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO

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A pesquisa foi realizada com 800 pessoas durante o mês de janeiro em São Paulo. Entre os mais jovens, 19% disseram ter “alguma vontade” de participar da vida política na cidade e 15% falaram ter muita vontade.

“O mundo político, historicamente, não dá abertura a essas pessoas, então a vontade que o jovem tem de querer transformar as coisas não encontra eco no mundo da política, por isso há essa desilusão”, afirmou o assessor de Mobilização da Rede Nossa São Paulo, Igor Pantoja.

No levantamento, foi apresentada aos entrevistados uma lista de possibilidades de atuação (mais informações no infográfico ao final do texto) que vai do simples compartilhamento de notícias sobre política na internet até participação em atos de rua e atuação em conselhos municipais, mas 42% dos jovens disseram não praticar nenhuma delas.

Assinatura de abaixo-assinados, compartilhamento de notícias em redes sociais e em aplicativos de mensagens e atuação no movimento estudantil estão entre as formas mais citadas de fazer política por esta geração. Nenhum desses pontos, entretanto, foi citado por mais de 22% dos entrevistados.

Para o cientista político Paulo Loiola, da Baselab, fatores ligados à economia ajudam a explicar esse distanciamento entre jovens e política. “Essas pessoas são um dos públicos mais impactados hoje pela falta de perspectiva, falta de renda e de emprego. Muitos estão ou desmotivados por essa falta de perspectiva ou ocupados demais com sua sobrevivência dividindo-se entre trabalho e estudo, sobrando pouco tempo útil a ser dedicado a esse tema”, disse o cientista político.

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Giovanna relatou que este é um “problema” observado em seus grupos de amigos. “A busca de oportunidades é o que ocupa a maior parte do tempo, já que há uma necessidade cada vez maior de ter experiência para ingressar no mercado de trabalho.”

Giovanna, de 20 anos, não se vê 'refletida' na política Foto: ALEX SILVA/ESTADÃO

‘Bolha’

Apesar da resistência de movimentos estudantis, de ações como ocupações de escolas e da formação política nos braços “jovens” de dentro dos partidos ou de grupos de renovação, a inserção desta faixa etária na política aparece com mais força e presença no ambiente online. Mas isso não se traduz necessariamente em qualidade do debate político ou mesmo em ação prática fora das chamadas “bolhas”. 

Em redes sociais e aplicativos como WhatsApp e Telegram, o “textão” em discussões sobre política são manifestações legítimas, mas analistas contestam seu caráter de diálogo. “O ambiente online favorece esse comportamento de muito ‘textão’, muita opinião, mas as redes nos mostram, em geral, conversas pontuais entre indivíduos, não envolvem instituições, ideias, projetos”, disse Pantoja. “No ambiente online, há um incentivo a se posicionar, dá uma sensação de poder a quem está produzindo o conteúdo”, afirmou Loiola.

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A pesquisadora Luiza Carolina dos Santos, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp) da FGV, aponta a necessidade de se ter em mente um diagnóstico do momento que vivemos e de como os jovens têm se relacionado com política. “A ação política hoje pode estar muito mais relacionada com pequenas ações cotidianas do que restrita a espaços institucionalizados, como partidos políticos, movimentos sociais ou outras formas de organização da sociedade civil”, disse Luiza. 

Um exemplo desta nova realidade são os espaços de debate político que emergiram nas eleições de 2020 nos Estados Unidos e no Brasil, onde políticos “invadiram” espaços como Discord e Twitch para fazer campanha enquanto dialogavam com o público gamer. “Todo lugar é lugar de discussão política”, afirmou Luiza. “O que nos auxilia a compreender esse momento é muito mais qualificar as formas de participação hoje como formas legítimas. Isso exige repensar como institucionalizamos a participação política hoje, se podemos repensar possibilidades diferentes que possam dialogar com novas gerações, nos espaços dessas novas gerações.”

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