Criatividade é o grande lance no Jardim Ângela

Distrito da zona sul não tem equipamentos de lazer

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Por Roberto Almeida e SÃO PAULO
Atualização:

Jogar figurinhas na boca do esgoto é o jeito que Antônio, de 8 anos, passa o tempo entre a saída da escola, às 11h30, e o almoço, por volta do meio-dia. Não perde a fome mesmo com o mau cheiro da água turva que escorre córrego abaixo, ladeando casas e casas da Rua 1, região do Tupi, Jardim Ângela, zona sul. Não existe lugar para brincar na Rua 1. Nunca existiu. A baixada apinhada de barracos e casas mal ajambradas ainda está cicatrizando. Em 2003, eram 120 homicídios para cada 100 mil habitantes, o lugar mais violento do mundo. Hoje não é mais. O número de homicídios no Jardim Ângela caiu para 30 para cada 100 mil e as crianças, filhos do fogo cruzado, finalmente estão saindo de casa. O problema agora é que elas não têm aonde ir. Haja criatividade. Enquanto Antônio bate figurinhas na boca do esgoto, Jefferson joga bolinhas de gude no meio da rua com Guilherme, que divide espaço com Diego, que desce a ladeira fazendo manobras com sua bicicleta nova, observado por Uéslei, que da janela de sua casa inveja todos porque sua mãe não o deixou sair. Ele diz que nem queria. Mas ele queria sim jogar bola no Guavi, time comandado por Jackson, João Vitor, Felipe e Miquéias, que bate bola nas escadarias e joga vôlei no varal. O nome da equipe de garotos - o maior tem 13 anos - é uma homenagem à rua de cima, a Guavirituba. O "campo" é uma área concretada de cerca de 10m². Se a bola rolar ladeira abaixo, já viu. Alguém vai ter de ir buscar. Por "sorte", existe uma alternativa para o Guavi: bater bola no beco, onde a bola não tem para onde fugir. Tanto não tem para onde fugir que é nesse mesmo beco que eles jogam taco com pés de cadeira, bolinhas de tênis e garrafas de plástico. Só na base da criatividade. Cleide Soares e Maria de Lourdes da Silva, mães de dois dos garotos do Guavi, analisam: "Eles não têm mesmo onde brincar." A situação é tão crítica no Jardim Ângela que o jeito é entrar na Justiça contra a prefeitura. Até o fim do mês, o padre Jaime Crowe, líder religioso e comunitário da Paróquia Santos Mártires, há 21 anos no distrito, vai ajuizar uma ação civil pública por negligência no bairro. A ação prevê que a prefeitura deverá apresentar um plano para o distrito. O prazo, improrrogável, é de 180 dias. A multa é de R$ 50 mil por dia de atraso. Antônio, Jefferson, Diego, Uéslei, Jackson, João Vitor e Miquéias precisam ter onde brincar.

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