PUBLICIDADE

CPI da Covid: Wajngarten admite que Planalto ignorou por dois meses negociação de vacinas da Pfizer

Carta enviada pela farmacêutica ao governo demorou a ser respondida; Renan aponta contradições de ex-secretário de Comunicação do governo em relação à entrevista anterior e ameaça pedir sua prisão

Foto do author Amanda Pupo
Por e Amanda Pupo (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA– Em uma sessão marcada por bate-boca, xingamentos e até ameaça de prisão, o ex-secretário de Comunicação Social da Presidência Fábio Wajngarten admitiu à CPI da Covid, nesta quarta-feira, 13, que a carta na qual a empresa Pfizer se dispunha a negociar vacinas contra o coronavírus foi enviada ao governo em setembro de 2020 e ficou dois meses sem resposta. No depoimento, que durou mais de oito horas, Wajngarten caiu em contradição, negou ter chamado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de “incompetente” e irritou senadores.

O relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), disse mais de uma vez que pediria a prisão de Wajngarten por falso testemunho. A posição de Renan provocou contrariedade do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), até então seu aliado, e os dois acabaram discutindo. “Eu não sou carcereiro de ninguém”, reagiu Aziz. O senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) entrou na sala e chamou Renan de “vagabundo”.

O ex-secretario de Comunicação, Fabio Wajngarten, depõe na CPI da Covid, no Senado Foto: Gabriela Biló/Estadão

PUBLICIDADE

“Imagina a situação: um cidadão honesto ser preso por um vagabundo como Renan Calheiros”, afirmou Flávio, filho “01” de Bolsonaro, ao dizer que o relator queria transformar a CPI em palanque eleitoral. “Vagabundo é você, que roubou dinheiro do pessoal do seu gabinete”, retrucou Renan. “Vá se f...!”, devolveu Flávio, que foi denunciado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no processo das “rachadinhas”. Mais tarde, nas redes sociais, o presidente Jair Bolsonaro escreveu: “Com mais de 10 inquéritos no STF, Renan tem moral para querer prender alguém?”

O presidente da CPI suspendeu o depoimento, aproveitando que os trabalhos precisariam ser interrompidos por causa da sessão do Senado. “O que aconteceu aqui foi quebra de decoro”, afirmou o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Quando todos voltaram à sala, Aziz se dirigiu a Wajngarten e lhe passou uma descompostura: “Não pense que o pior na sua vida seria a prisão. O pior é o legado que você construiu com muito trabalho e perdeu hoje aqui na CPI”.

O clima tenso dominou toda a sessão. Além da troca de ofensas entre senadores, Wajngarten foi chamado de “mentiroso” em vários momentos. Um deles foi quando tentou amenizar a entrevista dada à revista Veja, em abril. Nela, o ex-secretário de Comunicação responsabilizou o Ministério da Saúde, à época comandado por Pazuello, pelo atraso das vacinas e contou que o CEO da Pfizer, Albert Bourla, havia encaminhado uma carta não apenas ao gabinete de Bolsonaro como a várias autoridades do governo (mais informações na página A10), em setembro, oferecendo 70 milhões de doses da vacina. Disse ainda que, como ninguém havia se manifestado, levou o caso a Bolsonaro, que o autorizou a negociar com a empresa. “Houve incompetência e ineficiência”, disse na entrevista.

À CPI, no entanto, o ex-titular da Secom não quis apontar o dedo para Pazuello e muito menos para Bolsonaro. Mesmo assim, confirmou que a correspondência da Pfizer fora enviada ao governo em 12 de setembro, não tendo resposta até 9 de novembro. Mas diminuiu o número da oferta da empresa. “A proposta da Pfizer, no começo da conversa, falava em irrisórias 500 mil vacinas”, disse.

Questionado por Renan sobre quem seria responsável pelo atraso na compra das vacinas da Pfizer e, ainda, sobre a criação de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente, Wajngarten deu voltas e afirmou desconhecer o assunto. 

Publicidade

“Vossa Excelência é a prova da existência dessa consultoria. Vossa Excelência é a primeira pessoa que incrimina o presidente da República porque iniciou uma negociação, como secretário de Comunicação, e se dizendo em nome do presidente. É a prova da existência disso”, afirmou Renan, numa referência ao gabinete paralelo. 

Diante de uma placa que substituiu seu nome na mesa pelo número 425.711, em alusão às mortes da pandemia no Brasil, o senador quis saber do publicitário sua avaliação sobre o impacto de atitudes negacionistas de Bolsonaro. “Pergunte a ele”, respondeu Wajngarten. Aziz não escondeu a irritação. “Por favor, não menospreze a nossa inteligência. Ninguém é imbecil aqui. O senhor está mentindo para todos nós”, disse.

Renan afirmou que iria requerer a gravação da entrevista à Veja, que, logo depois, publicou em seu site o áudio, no qual o ex-titular da Secom reitera ter havido “incompetência” nas negociações da vacina. “Vou requerer, na forma da legislação processual, a prisão do depoente”, anunciou o relator.

Outros senadores, como Fabiano Contarato (Rede-ES), também defenderam a prisão de Wajngarten depois que ele negou ter autorizado a campanha publicitária com o mote #O Brasil não pode parar, assinada pela Secom, contra o isolamento social. A campanha foi veiculada em março do ano passado. Wajngarten lembrou que, à época, havia contraído coronavírus e ficou afastado. “Esse depoente tem de sair daqui preso”, gritou Contarato, que é delegado. “O espetáculo da mentira é algo que não vai se repetir e não pode servir de precedente”, insistiu Renan.

O Código Penal, em seu artigo 342, classifica o ato de fazer afirmação falsa em investigação como crime punível com reclusão de dois a quatro anos e multa.

Veja a íntegra da carta da Pfizer citada no depoimento de Wajngarten:

Dr. Albert Bourla Pfizer Inc

Publicidade

Chairman of'the Board 235 East 42" Street, New York, NY 10017-5755 Chief Executive Officer Tel. 212-733-9623

12 de setembro de 2020

Excelentíssimo Senhor Jair Messias Bolsonaro Presidente da República Federativa do Brasil

Excelentíssimo Senhor Presidente da República Jair Bolsonaro,

Na luta contra a COVID-19, uma vacina é parte crítica para lidar com a crise de saúde global, diminuindo as taxas de infecção, doença e morte em todo o mundo. A Pfizer tem estado na linha de frente no enfrentamento desta pandemia que afeta brasileiros e pacientes em todo o mundo, desde os primeiros dias desta emergência. A Pfizer foi fundada na cidade de Nova York, está sediada nos Estados Unidos há mais de 170 anos, e opera no Brasil há aproximadamente 70 anos. Junto com nosso parceiro, a empresa alemã BioNTech, estamos aproveitando décadas de experiência científica para desenvolver, testar e fabricar uma vacina de mRNA para ajudar a prevenir a infecção pela COVID-19. Atualmente, estamos conduzindo um ensaio clínico em grande escala de Fase 2/3 com pelo menos 30.000 participantes em um grupo seleto de países em todo o mundo, incluindo dois centros de pesquisa no Brasil com cerca de 2.000 brasileiros voluntários. Estamos no caminho certo para buscar uma revisão regulatória de nossa vacina em outubro de 2020, com centenas de milhares de doses já produzidas.

A potencial vacina da Pfizer e da BioNTech é uma opção muito promissora para ajudar seu governo a mitigar esta pandemia. Quero fazer todos os esforços possíveis para garantir que doses de nossa futura vacina sejam reservadas para a população brasileira, porém celeridade é crucial devido à alta demanda de outros países e ao número limitado de doses em 2020. Como deve ser do conhecimento de Vossa Excelência, fechamos um acordo com o governo dos Estados Unidos para fornecer 100 milhões de doses de nossa potencial vacina, com a opção de oferecer 500 milhões de doses adicionais. A Pfizer tem o maior contrato com o governo dos EUA em termos de valor para uma vacina contra a COVID-19 até o momento, demonstrando a confiança que a Administração do Presidente Donald Trump tem em nossa ciência e nossa capacidade de produção. O Dr. Moncef Slaoui, Conselheiro Chefe da Operação Warp Speed do Governo dos Estados Unidos, visitou a instalação da Pfizer que está produzindo nossa vacina COVID-19 e que poderia abastecer o Brasil. Temos ainda acordos com o Reino Unido, Canadá, Japão e vários outros países, e estamos em negociações finais com a União Europeia para fornecer 200 milhões de doses, com uma opção de fornecimento adicional de mais 100 milhões de doses.

Minha equipe no Brasil se reuniu com representantes de seus Ministérios da Saúde e da Economia, bem como com a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Apresentamos uma proposta ao Ministério da Saúde do Brasil para fornecer nossa potencial vacina que poderia proteger milhões de brasileiros, mas até o momento não recebemos uma resposta. Sabendo que o tempo é essencial, minha equipe está interessada em acelerar as discussões sobre uma possível aquisição e pronta para se reunir com Vossa Excelência ou representantes do Governo Brasileiro o mais rapidamente possível. Finalmente, como Presidente Mundial da Pfizer, estou orgulhoso em assinar um acordo histórico demonstrando um compromisso unificado em manter à integridade do processo científico enquanto trabalhamos para obter os registros regulatórios e aprovações das primeiras vacinas contra a COVID-19. Caso Vossa Excelência ou membros de sua equipe tenham alguma dúvida, não hesitem em entrar em contato comigo diretamente ou com minha equipe no Brasil, incluindo o Presidente de nossa subsidiária no país, Carlos Murillo (Carlos.Murillo@pfizer.com).

Publicidade

Atenciosamente,

Dr. Albert Bourla

ce: Vice-Presidente da República Federativa do Brasil, Exmo. Sr. Hamilton Mourão Ministro de Estado da Casa Civil, Exmo. Sr. Walter Braga Netto Ministro de Estado da Saúde, Exmo. Sr. Eduardo Pazuello Ministro de Estado da Economia, Exmo. Sr. Paulo Guedes Embaixador do Brasil para os Estados Unidos, Exmo. Sr. Nestor Foster

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.