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CPI contesta versão de Blanco de que negociação de vacinas era para mercado privado

O vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que as tratativas estariam ocorrendo com base na irregularidade, já que a venda particular de imunizantes não havia sido aprovada pelo Congresso

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Foto do author Daniel  Weterman
Por Cássia Miranda , Daniel Weterman e Matheus de Souza
Atualização:

SÃO PAULO E BRASÍLIA - Integrantes da CPI da Covid contestaram a versão do ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, tenente-coronel Marcelo Blanco, sobre seus contatos com a empresa Davati Medical Supply, que tentou vender 400 milhões de doses da vacina AstraZeneca ao Ministério da Saúde. Blanco alegou que as conversas com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti Pereira, que se apresentava como representante da empresa, seriam para negociar a venda de imunizantes para o mercado privado, não para o governo, uma vez que o ex-assessor já havia sido exonerado do cargo na pasta em 19 de janeiro.  Foi o tenente-coronel quem levou Dominghetti para um jantar, no dia 25 de fevereiro, com o então diretor de Logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, acusado pelo policial militar de pedir propina para dar andamento à negociação e demitido do posto após a revelação do caso.

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De acordo com documentação entregue à CPI, o representante formal da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho, cobrou de Blanco respostas sobre a negociação com o Ministério da Saúde, o que contraria a versão das negociações para o mercado privado. Além disso, os senadores apontaram o fato de que Blanco ligou 64 vezes para Dominghetti pelo WhatsApp. De acordo com o relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), a versão de negociação apenas no setor privado é pelo menos  "imprecisa".

O senador Marcos Rogério (DEM-RR), aliado do presidente Jair Bolsonaro, criticou o relator por revelar as conversas, que foram protocoladas pela CPI como documentos sigilosos. Renan, no entanto, disse que a catalogação foi feita de forma equivocada e que as conversas foram entregues por Carvalho de forma pública. "É por isso que Vossa Excelência fica preocupado toda vez que essas bandalheiras vêm à tona", disse Renan a Marcos Rogério.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que Blanco omitiu conversas ao entregar seus documentos para a comissão. O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) também levantou suspeitas sobre a versão do tenente coronel. "É muita cara de pau", declarou.

No início de seu depoimento,  o ex-assessor exibiu à CPI uma série de mensagens e áudios que teria trocado com Dominghetti, em que ele questionava o preço dos imunizantes ao mercado privado, inclusive afirmando que quando pediu ao PM que fosse a Brasília, levasse representantes do setor privado para tratar sobre o tema. A viagem teria ocorrido na mesma semana do jantar em que Dominghetti diz ter ouvido o pedido de propina de Ferreira Dias.

Tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Ministerio da Saude, durante depoimento à CPI da Covid. Foto: Gabriela Biló/ESTADÃO

Segundo Blanco, que era subordinado de Roberto Dias, seu primeiro contato com o policial ocorreu por meio do coronel Odilon, que fez a intermediação entre ele e Dominghetti na oferta de imunizantes à Saúde. As conversas com o policial, segundo Blanco, começaram no início fevereiro, "quando fui informado por ele que as tratativas sobre as supostas vacinas já haviam sido iniciados por meio da (Secretaria Nacional de Assuntos Humanitários) Senah", falando sobre a organização comandada pelo reverendo Amilton Gomes de Paula, que prestou depoimento nesta terça-feira.

Mesmo assim, segundo Blanco, o representante da Davati queria oferecer ao departamento logístico a proposta de venda "para que diversos departamentos do ministério" tivessem "ciência da irrecusável proposta" na busca da celeridade da oferta. Blanco, então, afirmou que teve de explicar ao policial como se dava o rito processual do ministério "já que ele não tinha nenhum raso conhecimento de como proceder diante daquele órgão", afirmando que indicou ao representante os e-mails institucionais de departamento logístico que deveriam ser enviados ao ministério para decidir se as negociações deveriam avançar ou não.

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De acordo com Blanco, ele foi convidado a integrar o Ministério da Saúde na equipe do então ministro Eduardo Pazuello em abril de 2020, por indicação do coronel Franco Duarte, um amigo de turma que conhece há 35 anos, disse. A nomeação foi encarada, segundo ele, como "missão e esforço de guerra". "Ficou bem claro que não teríamos horário de fim de expediente, sábado, domingo ou feriado, tudo em nome da busca da solução da pandemia mundial", afirmou.

Segundo ele, suas funções eram de natureza consultiva, tendo se negado a ocupar cargos que envolvessem orçamentos ou ordenação de despesas. O coronel declarou que foi convidado por Pazuello, que a proposta de permanência no cargo era de noventa dias, mas sua permanência na Pasta se estendeu por oito meses, até ser substituído pelo atual diretor do Departamento Logístico, general Ridalto Lúcio Fernandes.

Durante a explicação de como se deram seus encontros com Dominghetti para tratar da venda de vacinas para o mercado privado, o vice-presidente do colegiado, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), interveio e afirmou que as tratativas estariam ocorrendo com base na irregularidade, já que a venda de vacinas no mercado privado não havia sido aprovada pelo Congresso.

Quem é Marcelo Blanco?

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O tenente-coronel participou de jantar em Brasília no qual teria sido feito o pedido de propina para assegurar a compra por parte do governo federal de doses da vacina AstraZeneca, em 25 de fevereiro.

Ex-assessor substituto do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, exonerado em janeiro, Blanco já foi citado em ao menos três depoimentos prestados à comissão do Senado que investiga ações e omissões do governo Jair Bolsonaro desde o início da pandemia do novo coronavírus

Blanco fala à CPI mparado por um habeas corpus concedido em julho pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, que garante a ele a possibilidade de ficar em silêncio e de não responder a perguntas que o incriminem. O requerimento para convocação de Blanco é de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE)

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Antes de ouvir o tenente-coronel, a CPI requisitou ao Comando do Exército Brasileiro todos os relatórios e as informações de inteligência, com as correspondentes cópias, a respeito de militares do governo já citados na comissão. Estão na lista, por exemplo, o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Élcio Franco, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, o ex-subsecretário de Assuntos Administrativos Alexandre Martinelli Cerqueira e Marcelo Blanco

Citado na comissão

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Em depoimento à CPI em 1º de julho, o policial militar Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que procurou o governo federal como representante da Davati, afirmou que teria sido apresentado a Roberto Dias por Blanco, seu ex-assessor. O trio, segundo ele, participou do jantar em que o ex-diretor teria pedido propina de US$ 1 por dose a Dominguetti. 

Dias, por sua vez, nega o pedido de propina e tenta sustentar que seu encontro com Dominguetti e Blanco em restaurante em Brasília foi casual. Em depoimento contraditório prestado à CPI, no entanto, o ex-diretor do Ministério da Saúde chegou a admitir que sabia da presença do coronel no local.

Já o representante oficial da Davati no Brasil, Cristiano Carvalho, disse aos senadores que Dominguetti citou o termo “comissionamento” e não "propina" ao referir-se ao encontro que teve com Blanco e Dias. Para os senadores que formam a maioria no colegiado, trata-se da mesma prática.

Inquérito

A cúpula da CPI foi informada de que a Polícia Federal abriu inquérito para apurar vazamentos de dados enviados à comissão. O presidente do colegiado, Omar Aziz (PSD-AM) se disse surpreso com a investigação, já que a CPI define o que é sigiloso ou não. De acordo com ele, vários áudios eram de conhecimento de veículos de comunicação. “E, até então, não houve nenhum iniciativa da Polícia Federal de tentar investigar quem estava vazando de dentro da Polícia Federal”, afirmou.

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Os depoimentos que teriam sido vazados faziam parte de duas investigações em andamento na PF, uma sobre suspeita de prevaricação do presidente Jair Bolsonaro e outra sobre a compra da vacina Covaxin. As duas apurações foram enviadas pela PF à CPI, após requerimento da comissão.

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