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Costeando o alambrado

Por Dora Kramer
Atualização:

Perspicaz, mas, sobretudo, vacinado pelos inúmeros revezes que lhe impôs o PMDB no primeiro mandato e alguns sérios contratempos criados no curso do atual, o presidente Luiz Inácio da Silva pegou a coisa no ar. Percebeu que a decisão do partido de se aliar ao governador José Serra em São Paulo não foi um movimento de Orestes Quércia para ser compreendido e menosprezado como mais um exemplo da tradicional divisão do PMDB. Notou o equívoco das interpretações segundo as quais a aproximação de Quércia e Serra evidenciava a existência de um novo racha no PMDB e uma derrota para o governador de Minas Gerais, Aécio Neves, com quem a cúpula pemedebista conversa supostamente com a intenção de fazer dele o candidato da coalizão situacionista. Lula enxergou o que de fato ocorria, ou ocorre: o maior partido de sua base de sustentação política já começou a dividir as tarefas. Fica na aliança federal e, ao mesmo tempo, já vai preparando as bagagens para a eventualidade de precisar embarcar na canoa do PSDB, caso Lula não arranje um candidato competitivo à sua sucessão e os tucanos se apresentem como a perspectiva mais viável de poder. Na verdade, o PMDB nunca esteve tão unido dentro daquela confederação de conjugação de interesses que caracteriza o partido. Tem compromisso com Lula, mas tem principalmente compromisso consigo mesmo. O presidente viu a tropa costeando perigosamente o alambrado (na inesquecível expressão de Leonel Brizola) e, na emergência, tomou a primeira medida que lhe ocorreu: formou um grupo de trabalho. Chamou de conselho permanente de consultas para dirimir divergências resultantes dos desacertos regionais e assim abriu ao um seleto grupo de pemedebistas acesso livre ao seu gabinete. O partido não reclama mais ingerência nas decisões de poder? Pois aí está, Lula prometeu ouvir e consultar o PMDB. Fez logo uma primeira reunião, mas, ao que consta, o resultado não foi animador. Ouviu que o PT não é digno de confiança (vindo de quem vem, há conhecimento de causa na avaliação) porque só quer levar vantagem nas parcerias e teve logo duas péssimas notícias. O PMDB disse que não faz negócio antecipado para 2010 e que na eleição municipal deste ano não aceita submeter suas conveniências locais aos interesses nacionais do governo federal - ainda mais sem saber exatamente quais são eles e qual o benefício que levará nisso. Para falar com tanta clareza e crueza com o presidente da República que lhe garante vida boa na máquina federal, o partido realmente mostra que já anda interessado em outros amores e tem plena consciência da importância de sua presença na aliança com o PT. Mais não seja para abrir aos petistas as portas de sua monumental estrutura pelo Brasil todo. Agora, deixou bem claro que na base do "venha a nós" as coisas ficarão difíceis com o PT. Será preciso mais generosidade na contrapartida ao "vosso reino". Mas o principal da conversa foi mesmo a recusa em garantir a continuidade da parceria para além de 2010. Em bom português, o PMDB disse ao presidente que não se sente obrigado a atrelar seus projetos aos planos do PT porque está percebendo com muita clareza que o PT não condiciona seu destino ao atendimento dos interesses do PMDB. E se quando dois não querem nem uma boa briga se pode fazer, muito menos um acordo é possível sobreviver quando uma das partes percebe que a outra exige sempre a melhor parte. À chave Foi por escrito o acordo feito entre o PT e o PMDB para a alternância da presidência da Câmara. No período 2007/2008, o petista Arlindo Chinaglia; para o biênio 2009/2010, algum pemedebista que o presidente do partido, Michel Temer, pretende seja ele mesmo. Agora surgem conversas de que o acerto estaria ameaçado por causa dos desentendimentos entre os dois partidos nas preliminares das campanhas municipais, principalmente a de São Paulo, com a surpreendente rasteira do PMDB no PT. Por via de todas as dúvidas, Temer guarda o documento na gaveta da mesa do gabinete da presidência do partido na Câmara. Tal e qual O Fórum Nacional do Trabalho passou meses discutindo e finalmente ficou pronta a proposta de reforma das leis trabalhistas. A despeito da participação dos sindicatos no debate, a reforma não fez parte da agenda das festas do Dia do Trabalho promovidas pelas centrais sindicais. O que permite concluir que a reforma trabalhista ficará para os sindicalistas como a reforma política sempre esteve para os políticos. Falam muito, mas não mudam nada com medo de perder as vantagens adquiridas. Nessa fase de ressurgimento do sindicalismo de Estado, ou neopeleguismo, as mudanças em voga são as que privilegiam a dependência (lucrativa) em detrimento da independência outrora defendida.

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