Coronel Curió avalia que cumpriu sua missão e se compara a Napoleão

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Por Redação
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O Exército permaneceu 30 dias no acampamento da Encruzilhada Natalino. Embora o coordenador da operação militar, coronel Sebastião Curió Rodrigues de Moura, tenha conseguido levar parte das famílias para um assentamento em Lucas do Rio Verde, em Mato Grosso, os sem-terra comemoraram vitória contra o regime. "A cúpula do MST tem os ideais do antigo PC do B, o partido que implantou a guerrilha, só que mais inteligente e aprimorado", diz ele. "Na Encruzilhada só encontrei barra pesada: (d. Pedro) Casaldáliga, (d. Aloísio) Lorscheider e (d. Tomás) Balduíno. Não acho que eles venceram, pois cumpri a missão de meter uma cunha no meio do movimento e diminuí-lo, como Napoleão fazia para abater o inimigo." O "Napoleão" de Natalino teve um d. João à altura para enganá-lo. João Pedro Stedile aproveitava o cargo de técnico da Secretaria da Agricultura do Rio Grande do Sul para organizar o movimento. "O João Pedro contribuiu muito com a gente", lembra a professora Maria Salete Campigotto, em Ronda Alta (RS), que dava aulas na escolinha do acampamento. "A Encruzilhada Natalino contribuiu para avançar mais rapidamente a resistência ao regime militar." Antônio Campigotto, marido de Maria Salete, afirma que o grupo de Natalino deu origem "de fato" ao MST. Um dos militantes mais respeitados entre os sem-terra, Campigotto diz que os acampados fizeram festa quando Curió deixou o Rio Grande do Sul. "A despedida dele foi péssima", conta. "Só não soltamos foguetes porque não tínhamos dinheiro para comprar, mas teve muito grito e muita palma." À época os sem-terra não tinham ideia de que o acampamento iria contribuir para a constituição de um novo movimento no campo, segundo Stedile. O líder sem-terra avalia que os principais fatores de criação do MST foram a crise do modelo de industrialização, que não oferecia mais emprego a quem migrava para a cidade, o fracasso do processo de colonização da Amazônia e a perda do medo de lutar por parte dos camponeses. Ressalta ainda o esforço das pastorais e a rearticulação dos movimentos sociais. "Um belo dia, um acampado, procurando estação de rádio argentina, pelas ondas curtas, captou sem querer a onda usada por Curió para mandar informes ao SNI (Serviço Nacional de Informações)", conta. "A partir daí, desmontamos o planejamento do coronel, pois sempre sabíamos o que ele informava." SEM CRUZ Stedile e outras lideranças oficializaram o MST em 1984, com a constituição de uma diretoria, num congresso em Cascavel. Os sem-terra rejeitaram a mística cruz de Natalino, deixando claro a independência em relação à igreja, mas não perderam apoio dos "progressistas". A partir de Natalino, a ala "progressista" da igreja escancarou seu apoio a grupos sociais armados no Pará. Poucas semanas depois da saída de Curió, os padres Aristides Camiou e Francisco Gouriou foram presos, em agosto de 1981, sob acusação de incitar um grupo de camponeses que enfrentavam com espingardas grileiros de terra na localidade de Cajueiro, no sul do Pará. Até meados dos anos 1990, as ocupações de terra no Bico do Papagaio foram organizadas por sindicatos ligados à Comissão Pastoral da Terra (CPT). Só depois de 1997 o MST assumiu o comando das invasões no Estado. Foi naquele ano que a Polícia Militar do Pará matou 19 sem-terra em Eldorado do Carajás. O movimento passava pelo seu maior teste de fogo numa curva de asfalto a mais de 3 mil quilômetros do berço onde havia nascido. Era, definitivamente, um movimento nacional.

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