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Cordão umbilical

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Por Redação
Atualização:

Não confere com os fatos a análise segundo a qual o presidente Luiz Inácio da Silva e seu partido andam em desacordo um com o outro. O 3º Congresso Nacional do PT, ocorrido no fim de semana, mostrou que ambos estão mais afinados do que nunca. Trata-se de uma ficção destinada a marcar prudente distância entre a figura do presidente e determinadas peripécias partidárias a versão muito em moda de que Lula está agastado com o PT e, este, desolado com o presidente por ter perdido espaços dentro do governo. Exatamente por essa visão das coisas ser politicamente conveniente ao governo é que surpreendeu o discurso do presidente no congresso. Além de uma defesa veemente dos réus no processo criminal desde a semana passada em curso no Supremo Tribunal Federal, Lula dobrou a aposta do desafio à realidade ao retomar a tese da supremacia petista no campo da ética. "Qualquer que seja a adversidade, o mais importante é que nenhum petista tenha vergonha de defender o companheiro. O PT não pode se acovardar nesse debate. Ninguém neste país tem mais autoridade moral, ética e política do que o PT", disse o presidente. Tais palavras soaram quase inacreditáveis, principalmente se confrontadas com a justificativa difundida nos bastidores por assessores presidenciais para o cancelamento da presença de Lula na abertura do Congresso, sexta-feira à noite. Disseram que o presidente desistiu de ir para não se associar a atos de desagravo aos processados. Não "indiciados" como ele diz, incorrendo (propositadamente?) numa imprecisão, pois a fase de indiciamento já foi superada na denúncia oferecida ao STF pelo Ministério Público. Viu-se no dia seguinte, no pronunciamento do presidente, que ele se preparava para fazer mais do que se tornar um simples sócio da defesa. Preparava-se para ser porta-voz dela, confiante na "blindagem" de sua figura registrada nas pesquisas de opinião. Lula avocou para si a tarefa de desagravar os réus e, assim, livrar o partido de mais esse desgaste. Como se costuma dizer, fez um discurso para o público interno, falou como militante, certo de que isso não afeta sua imagem junto ao público externo, vale dizer todos os outros que, ressalvadas raras exceções, saudaram a decisão do Supremo como um passo importante para reduzir a sensação de impunidade que assola o País. Mais uma vez, Lula deu as costas à coerência no afã de dar nó em pingo d?água. "Somente esses companheiros, nem eu nem vocês, sabem o que aconteceu", disse, sem se importar com um "pormaior": se ninguém ali naquele público sabia mesmo o que aconteceu, como pressupor a inexistência de motivos para se "envergonhar"? Evidentemente, não seria plausível imaginar que o presidente da República e seu partido tomassem a iniciativa da autoflagelação, embora a revisão crítica de condutas seja algo comum e salutar em grupos políticos no mundo inteiro. Mas, se a autoproteção é uma posição esperada em corporações atingidas, como diz o presidente, por "adversidades", o PT deveria usar o mesmo peso e a mesma medida em relação às Forças Amadas, que reagem à reabertura da discussão sobre a Lei de Anistia e as torturas cometidas sob o beneplácito dos militares na ditadura. No mesmo congresso em que os petistas houveram por bem aplaudir de pé a saudação a seus processados, aprovou-se uma moção considerando a manifestação dos militares um "desacato" ao regime democrático. Ora, por menos que se simpatize com opiniões oriundas de quartéis, convenhamos, a nota foi divulgada em resposta a uma dura declaração do ministro da Defesa, Nelson Jobim, e não dizia nada demais. "Fatos históricos têm diferentes interpretações, dependendo da ótica de seus protagonistas", pontuaram os generais, registrando, como o PT, seu ponto de vista. Da mesma forma, o ministro Jobim deixou patente, nesse mesmo movimentado fim de semana, sua opinião a respeito de assunto considerado por ele de importância tão vital que justificava uma exposição pública negativa: a visita de solidariedade e aconselhamento político/jurídico ao presidente do Senado, Renan Calheiros, antes de tudo um correligionário de partido, fiador da natimorta candidatura de Jobim à presidência do PMDB. É como diz a nota dos generais: a interpretação dos fatos depende da ótica de seus protagonistas. Sob a ótica do presidente Lula, nada, nem os fatos, nem a opinião preponderante na sociedade têm mais importância que sua cidadela. Agiu como homem de partido, assim como o PT agiu como o partido do homem ao aprovar a candidatura própria para 2010, mas deixando uma fresta por ora aberta à tese da cessão da cabeça-de-chapa para outro partido, com o intuito exclusivo de não atrapalhar a relação do presidente com os partidos aliados ainda no primeiro ano do segundo mandato. Tudo muito lógico, legítimo e partidariamente aceitável. Mas incongruente com a insistência do governo em difundir a versão de que Lula e o PT são entes independentes e até divergentes entre si.

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