Conversas com políticos presos e estudos: a rotina na Papuda do hacker que 'grampeou' autoridades

Walter Delgatti Neto virou a atração na chamada 'Ala das Autoridades' e é cercado no banho de sol para contar detalhes das interceptações

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Por Breno Pires e Patrik Camporez
Atualização:

BRASÍLIA - A tarde de 20 de agosto, uma terça-feira, foi de comemoração no Bloco F do Complexo Penitenciário da Papuda. Tudo porque o hacker Walter Delgatti Neto, acusado de acessar conversas em celulares das principais autoridades da República, tinha acabado de se matricular numa instituição de ensino particular de Brasília.

Conhecido como Vermelho e preso na Papuda desde 3 de agosto, Delgatti virou a maior atração da chamada Ala das Autoridades. Trata-se de uma parte especial do presídio que costuma receber políticos famosos, encarcerados por corrupção, e também os considerados vulneráveis. Vermelho fez logo amizade com Geddel Vieira Lima, ministro dos governos Lula e Temer.

Delgatti foi preso pela Operação Spoofing e está na Papuda desde 3 de agosto Foto: DANIEL MARENCO/AG. O GLOBO

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Desde quando foi preso, segundo uma pessoa próxima, Delgatti vem sendo procurado por políticos e autoridades que estão presos na mesma ala que ele, na Papuda, para contar o que leu nas conversas interceptadas. O que no início assustou, virou o maior passatempo e diversão do hacker: as rodas de conversa para falar sobre as mensagens das autoridades - algumas delas revelando segredos da República.

Quando conseguiu se matricular no curso à distância de Direito, recebeu parabéns de colegas. Nos banhos de sol e nas horas que passam no pátio, a atenção dos políticos geralmente é voltada para Delgatti, que grampeou autoridades como o ministro da Justiça, Sergio Moro, e procuradores da Lava Jato.

O Bloco F da Ala G da Papuda é conhecido por receber autoridades e políticos presos por corrupção, inclusive em decorrência da atuação dos procuradores da Lava Jato, que Delgatti grampeou. O empreiteiro Sérgio Cunha Mendes, um dos donos da Mendes Junior, também está preso nessa ala.

Geddel Vieira Lima foi ministro da Casa Civil e está preso por lavagem de dinheiro e associação criminosa. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Daí vem o interesse central desses presos pelo que o hacker tem a contar. Como Delgatti tem uma “excelente” memória – reconhecida até mesmo por agentes da Polícia Federal, que o interrogaram em duas ocasiões – e insiste em afirmar que leu todo o material antes de “vazar’” para o site The Intercept, as conversas no pátio da Papuda duram horas e despertam atenção e curiosidade dos presos, entre eles Geddel.

Ex-ministro dos governos Lula e Temer, Geddel foi preso em 8 de setembro de 2017 após a apreensão de R$ 51 milhões em dinheiro vivo em um apartamento, em Salvador, no âmbito da Operação Tesouro Perdido. Também já estiveram confinados nesse mesmo bloco o ex-deputado Rodrigo da Rocha Loures, que foi assessor do presidente Michel Temer, o ex-ministro petista José Dirceu e o ex-senador Luiz Estêvão.

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A ala abriga hoje outros dois presos da Operação Spoofing, assim como Delgatti: Gustavo Henrique Elias Santos e Danilo Cristiano Marques. Na última semana, a Justiça Federal do Distrito Federal rejeitou soltar Danilo e Suelen Priscila de Oliveira – também presa –, apesar de a Polícia Federal ter se posicionado a favor do pedido das defesas. O Ministério Público foi contra.

Empolgado com as novas amizades na prisão, Delgatti chegou a dizer, a uma pessoa que o visitou, que se sente feliz com “a oportunidade de conviver com pessoas experientes” na prisão.

Presos menos conhecidos, mas com interesses nos processos da Lava Jato, também têm se aproximado de Delgatti. O hacker já confessou ter tentado invadir – a PF ainda não sabe se com êxito – até mesmo o telefone do presidente Jair Bolsonaro e de outros ministros de Estado.

Estudos

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Além da rotina de roda de conversas no pátio da prisão, Delgatti tem se dedicado diariamente aos estudos. O curso que começou a fazer da cadeia é sobre Direito Penal. Ele tem se preparado para uma prova, marcada para este sábado, 14, fazendo o fichamento de várias apostilas.

Assim que realizar o exame, já começa a se preparar para uma segunda prova, sobre Direito Constitucional. Antes de ser preso, Delgatti chegou a cursar a faculdade de Direito, e pretende reiniciar os estudos quando deixar a prisão. Sua meta é ser advogado trabalhista.

Fontes com acesso a Delgatti dizem que ele “entende de Direito”. Na cadeia, consegue ler até 500 páginas em um único dia. O hacker também é autodidata, entende de legislação e tem uma personalidade acelerada. Por isso toma dois medicamentos ansiolíticos por dia, um antes de dormir.  

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Delgatti está preso numa cela sozinho. Conta com uma televisão, que fica ligada o tempo inteiro em canais de notícias. Gosta de se informar sobre tudo o que está acontecendo no mundo da política, e lê todas as matérias relacionadas ao seu caso. Nos papos que acontecem no pátio, gosta de mostrar que tem as conversas vazadas sobre integrantes do governo "frescas na cabeça".

O hacker Walter Delgatti, conhecido como "Vermelho", está estudando Direito Penal durante sua prisão na Papuda Foto: Reprodução

Na prisão, no entanto, ele tem criticado as reportagens que têm sido publicadas pelo The Intercept, apontando que o site privilegia conversas que implicam o ministro Moro e estaria deixando de publicar informações comprometedoras sobre procuradores.

O hacker costuma contar em detalhes trechos das conversas que guarda na memória. Diz que sabe “muito mais” do que já foi divulgado pelo site.

Na cadeia, demonstra “pavor” à figura do procurador Deltan Dallagnol, chegando a “se arrepiar” toda vez que escuta o nome do procurador. “É pavor mesmo”, diz a fonte, que acrescenta: “Ele leu todas as conversas e passou a sentir pavor, muito mais do que do Moro”. 

Prisões

Delgatti e os outros três suspeitos foram presos pela PF no dia 23 de julho, na investigação sobre a invasão de telefones celulares de autoridades. Como revelou o Estado na época das prisões, Delgatti afirmou em depoimento à PF ter repassado o conteúdo das supostas mensagens ao jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, que tem divulgado reportagens com base nas conversas desde junho. O hacker disse que não cobrou contrapartidas financeiras para repassar os dados. A Polícia Federal investiga se as mensagens foram vendidas

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