Congresso muda lei para ajudar partidos a cada 1,2 ano

Desde 1995, pelo menos 19 alterações na legislação já favoreceram legendas; em atrito com parlamentares, Bolsonaro terá de decidir sobre proposta que concede nova anistia

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Por Paulo Beraldo e Caio Sartori
Atualização:

Com pouco mais de três meses de legislatura, o Congresso enviou para a apreciação do presidente Jair Bolsonaro um projeto de lei que prevê anistia a multas aplicadas a partidos que não destinaram devidamente os recursos para promover a participação feminina na política. Em um contexto no qual o Legislativo intensificou as faturas ao Executivo como condição para aprovar projetos do Planalto, Bolsonaro terá de decidir nos próximos dias se atende ou não à demanda que costuma unir boa parte do Congresso, da situação à oposição.

Presidente.Jair Bolsonaro sofreu derrota na edição da MP que reestrutura a Esplanada Foto: ADRIANO MACHADO/REUTERS

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Neste tema, são recorrentes os casos em que os parlamentares legislam em causa própria. Desde a criação da Lei dos Partidos, em 1995, pelo menos outras 19 alterações (mais informações abaixo) trouxeram benefícios às siglas, segundo levantamento do Movimento Transparência Partidária: a média é de uma aprovação a cada 14 meses. Além disso, pelo menos nove projetos de lei foram apresentados desde então para tentar anistiar multas de candidatos e legendas – apenas um foi aprovado. O presidente terá de decidir até a próxima sexta-feira se veta ou sanciona o atual projeto. Estimava-se, quando ele foi apresentado, que a anistia prevista poderia chegar a R$ 70 milhões, valor dos débitos dos diretórios municipais de quase todas as legendas com o Fisco.

O deputado Delegado Waldir (PSL-GO), líder do partido de Bolsonaro na Câmara, aposta que o texto será sancionado. “Não vejo nada que indique que o presidente será contrário à medida”, disse. “A liderança liberou a bancada para votar da forma que desejar sobre o tema, o que mostra a total vontade do governo em não intervir na questão.”

A principal medida do texto aprovado, relatado pelo deputado Paulinho da Força (SD-SP), é a anistia para os partidos que não tenham aplicado o mínimo de 5% das verbas do Fundo Partidário para promover participação política das mulheres entre 2010 e 2018, mas que tenham direcionado o dinheiro para candidaturas femininas.

O projeto de lei prevê ainda outras mudanças que, apesar de não envolverem diretamente dinheiro público, abrandam exigências aos partidos. Uma delas, segundo analistas, reduz a democracia interna nas siglas ao permitir que comissões provisórias funcionem por até oito anos.

Caso vete o texto, a decisão do presidente pode ser derrubada pelo Congresso. “A Constituição garante ao Poder Legislativo, em caso de eventual veto presidencial, a prerrogativa de apreciação do referido veto”, observou o líder do Cidadania (antigo PPS) na Câmara, o deputado Daniel Coelho (PE).

Em 2000, o Congresso derrubou o veto do então presidente Fernando Henrique Cardoso e levou adiante uma anistia que custou aos cofres públicos, em valores corrigidos, aproximadamente R$ 80 milhões. Se optar pela sanção, Bolsonaro será o primeiro presidente desde 1995 a autorizar anistia a multas das siglas.

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O governo viveu uma semana conturbada no Congresso, sofrendo derrotas em matérias importantes como a Medida Provisória 870, que definiu o novo desenho da Esplanada, com a redução de 29 para 22 pastas.

Para o líder do PSB na Câmara, Tadeu Alencar (PE), faltam ao governo uma base aliada sólida e uma agenda convergente para melhorar a relação com o Congresso. “Não acredito que o projeto tenha um potencial inibitório de uma relação positiva. A relação já não é positiva.”

A mobilização dos partidos contra punições é permanente. O Estado mostrou que, na Câmara, parlamentares já discutem uma lei para inibir ação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que endureceu penas impostas às siglas. Para Antônio Augusto de Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a atual tentativa de anistia se dá num cenário em que os partidos precisam de dinheiro, após o fim do financiamento empresarial de campanhas. “Estão buscando o máximo que podem. Qualquer anistia que garanta recursos é fundamental.”

“Cerca de 80% dos recursos dos partidos políticos vêm dos cofres públicos. Os mecanismos de fiscalização e controle sobre o uso desse dinheiro deveriam ser mais rigorosos”, avaliou Marcelo Issa, presidente do Transparência Partidária. “Bolsonaro não está em situação de enfrentar o Congresso”, completou o especialista em direito eleitoral Alberto Rollo.

Procurados, a líder do governo no Congresso, deputada Joice Hasselmann (PSL-SP), e Paulinho da Força não responderam aos contatos da reportagem.

Alterações aliviam peso de punições aos partidos

Aprovada em 1995, a Lei dos Partidos estabelecia uma série de penalidades às siglas. A falta de apresentação de contas, por exemplo, poderia levar à suspensão de repasses e até ao cancelamento do registro do partido. Sucessivas alterações aliviaram o peso dessas punições.

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Em 1998, uma mudança fez com que a reprovação das contas não pudesse mais ser motivo para perda do registro. Também estabeleceu que a suspensão do repasse de verba só poderia ser aplicada à esfera partidária responsável pela irregularidade. Ainda na ocasião, foi definido que não poderia haver punição das instâncias nacionais dos partidos por atos irregulares praticados nas esferas inferiores.

Com a proibição de doações empresariais a campanhas, em 2017 o Congresso Nacional aprovou a criação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (ou fundo eleitoral), que distribuiu R$ 1,7 bilhão em recursos públicos para as siglas usarem nas eleições do ano passado. / COLABORARAM EMILLY BEHNKE E ELISA CALMON

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