Congresso mantém brecha no orçamento secreto e deixa verba à mercê de acordos políticos

Sistema lançado pela Comissão Mista de Orçamento organiza a indicação das verbas, mas deixa como optativa a divulgação dos padrinhos dos recursos

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Por Daniel Weterman e Breno Pires
Atualização:

BRASÍLIA - O Congresso manteve em segredo os verdadeiros padrinhos das emendas do orçamento secreto e deixou os recursos à mercê dos acordos com o governo, em troca de votos no Legislativo. A Comissão Mista de Orçamento (CMO) lançou ontem um sistema para registrar a indicação das verbas, uma exigência do Supremo Tribunal Federal (STF), mas a divulgação do nome dos parlamentares que apadrinham os recursos se tornou optativa.

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O movimento contraria decisão do Supremo, que determinou ampla publicidade às indicações. Revelado no ano passado pelo Estadão, o orçamento secreto somará R$ 16,5 bilhões em 2022. Deste total, R$ 11,5 bilhões ficarão com a Câmara e R$ 5 bilhões com o Senado.

Os recursos são carimbados por parlamentares, que escolhem a destinação para beneficiar redutos eleitorais, e liberados pelo governo em troca de apoio político. Deputados e senadores poderão cadastrar suas indicações no sistema, apontando as ações e os municípios que devem receber o dinheiro. Não há, no entanto, critérios claros para o rateio da verba.

Congresso manteve em segredo os verdadeiros padrinhos das emendas do orçamento secreto e deixou os recursos à mercê dos acordos com o governo federal, em troca de votos no Legislativo;movimento contraria decisão do Supremo Foto: Daniel Teixeira/Estadão

Caberá ao relator do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ), dar o parecer sobre as propostas. Prefeitos, governadores, instituições privadas e cidadãos comuns também poderão indicar recursos. Para especialistas ouvidos pelo Estadão e parlamentares contrários a esse modelo, aí está a brecha para que os verdadeiros padrinhos permaneçam ocultos: desta forma, a verba pode ser carimbada por quem vai recebê-la escondendo o verdadeiro dono da escolha.

Além disso, a emenda pode ficar sob o nome do próprio relator, a critério dos parlamentares. Nos últimos dois anos, o governo distribuiu esses recursos sem deixar claro quem seria beneficiado. Atualmente, a liberação da verba está sob controle do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, líderes do Centrão.

Definição

O impasse está no Senado, onde o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ainda não definiu a distribuição das verbas. Senadores cobram uma decisão até o fim desta semana, pois querem saber quais partidos serão privilegiados nas escolhas.

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“Todas (as indicações) terão identificação. Será obrigatório porque haverá a indicação de um parlamentar”, disse Hugo Leal. O deputado admitiu, no entanto, que, no caso das indicações de prefeitos, governadores e entidades, a identificação do congressista será opcional. “Este campo não terá incidência obrigatória”, observou.

A brecha causou críticas de parlamentares que são contra a dinâmica do orçamento secreto e ficam fora dos acordos da cúpula do Congresso. “Isso é uma coisa que tem de ser obrigatória. Isso não é uma coisa que tem de ser facultativa porque mostra claramente que o orçamento está capturado por forças estranhas e uma nuvem negra que a gente nem sabe”, afirmou a deputada Adriana Ventura (Novo-SP).

Outro problema apontado pelos órgãos de controle que julgaram o orçamento secreto, no ano passado, é que os recursos privilegiam aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com os congressistas, essa dinâmica não mudará, apesar da tentativa de aumentar a transparência. “Não vá se iludir que quem é oposição e a base do governo vão receber da mesma forma do que quem dá sustentação ao governo”, disse o senador Izalci Lucas (PSDB-DF), vice-presidente da Comissão Mista de Orçamento.

O lançamento do sistema sobre as indicações das verbas ocorreu na semana em que se encerra o prazo de cumprimento da decisão do Supremo para dar transparência aos dados das atuais emendas e daquelas liberadas em 2020 e 2021. Na prática, o movimento pode provocar novo questionamento sobre os recursos, que chegaram a ser suspensos no ano passado.

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