Comunidade japonesa do Brasil festeja os 100 anos da imigração

PUBLICIDADE

Por (RE
Atualização:

Agitando bandeiras e compartilhando recordações, imigrantes japoneses e seus descendentes se reuniram perto de uma praia brasileira na quarta-feira para lembrar a chegada, há 100 anos, do navio Kasato Maru, que inaugurou uma onda de imigração que acabou por marcar as identidades do Brasil e do Japão. Três navios da Marinha japonesa atracaram no porto de Santos, sendo aplaudidos por um grupinho de japoneses, em sua maioria idosos, que acenaram para os marinheiros que bateram continência. "Vocês estão vendo? 8h30 em ponto", disse Yukinore Shimon, nascido em Kyoto há 74 anos, orgulhoso da pontualidade japonesa. Hoje existem cerca de 1,5 milhão de descendentes, os "nikkei-jin", dos 781 primeiros imigrantes pobres que chegaram ao país no Kasato Maru, com a intenção de permanecer por apenas alguns anos trabalhando na lavoura do café. A influência dos japoneses na sociedade brasileira espalhou-se para as artes marciais, a arquitetura e os negócios. Desde a década de 1980, uma onda de imigração inversa, de milhares de nikkei-jin procurando trabalho no Japão, vem levando a influência brasileira de volta ao Japão. "Estou feliz hoje porque trabalhamos muito duro para chegar a onde estamos hoje, e sinto gratidão aos brasileiros que nos receberam de braços abertos," disse Reiko Konno, que, com sua família, emigrou da prefeitura de Miyagi na década de 1930. Como muitos japoneses no Brasil, Konno disse que ainda sente-se dividida quanto a sua identidade. "Ainda me sinto japonesa no coração, mas tenho hábitos brasileiros", disse a animada senhora de 79 anos, que pratica surfe três vezes por semana. "Sou capaz de experimentar qualquer coisa." A contribuição dos imigrantes japoneses está sendo lembrada com centenas de eventos no Brasil, país multirracial, e Web sites como www.japao100.com.br surgiram para contar as histórias deles. Mas os japoneses não foram bem recebidos por todos. Embora a mão-de-obra deles fosse muito necessária no Brasil, 20 anos após a abolição da escravatura, alguns brasileiros consideraram que eles não traziam o desejado "embranquecimento" do país por meio da imigração. COMEÇO DIFÍCIL Os hábitos de cortesia, ordem e limpeza dos primeiros imigrantes, apesar da exaustiva viagem de 52 dias de Kobe a Santos, foi um primeiro sinal das qualidades que eles trariam para o maior país da América Latina. Muitos deles chegaram vestindo roupas ocidentais e agitando pequenas bandeiras brasileiras e japonesas feitas de seda. "Todos se surpreenderam com a limpeza da sala. Não havia uma única bituca de cigarro, nenhuma cuspidela --um contraste completo com outros imigrantes", escreveu o inspetor paulista de imigrantes, Amandio Sobral, em 1908, descrevendo um alojamento em que os imigrantes japoneses se hospedaram após sua chegada. As promessas de ganhos grandes com as "árvores que dão ouro", como os cafezais eram descritos em folhetos de propaganda, se esvaíram quando os imigrantes chegaram às fazendas de café e se viram tendo que dormir em antigas senzalas abandonadas havia anos. "Meu avô fugiu dos cafezais porque não havia dinheiro a ser ganho ali", contou Isaltina Uehara, 79 anos, cujo pai, Bunguru Naka, chegou no Kasato Maru. Embora muitos nikkei-jin ainda se casem com outros descendentes de japoneses e procurem conservar as tradições de seu país de origem, alguns se preocupam por achar que a geração mais recente de descendentes tem pouco que os vincule a seu distante lar ancestral. Poucos da terceira ou quarta geração de imigrantes falam japonês bem. Mas Kaoru Ito, 71 anos, sobrevivente da bomba atômica de Nagasaki que chegou ao Brasil aos 18 anos, disse que, de algumas maneiras, a cultura japonesa é mais forte no Brasil que no próprio Japão. "A cultura japonesa ainda está forte no Brasil, mas parece estar se enfraquecendo no Japão", disse ele. "Pelo fato de nossos avós fazerem um esforço para isso, nossos costumes foram mantidos." Sussumu Tanaka, 92 anos, nasceu em Osaka mas se recorda de pouco sobre a viagem do Japão ao Brasil, feita em 1926, exceto pelo fato de brincar com sua família no convés do navio. Falando em sua casa, em São Paulo, em japonês hesitante, ele disse: "Não quero voltar para casa. Não penso mais no Japão".

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.