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Como a escolha do presidente da Câmara pode influenciar o governo Bolsonaro

Líder da Casa tem controle da pauta das votações, pode aceitar pedido de impeachment contra o presidente e decidir pela instalação de CPIs

Por Túlio Kruse e Paulo Beraldo
Atualização:

Na disputa pela presidência da Câmara dos Deputados, que será decidida nesta sexta-feira, 1º, está em jogo mais do que apenas o cargo mais alto da Casa. Com o poder de decidir o que é votado no plenário e sua influência nas comissões, o vencedor será peça-chave nos assuntos que interessam ao governo Jair Bolsonaro. Além disso, o presidente pode interferir nos detalhes cotidianos da vida dos deputados, desde a verba para planos de saúde até o espaço dos gabinetes.

O presidente da Câmara é o único que pode aceitar pedidos de impeachment contra o presidente da República, criar comissões para assuntos especiais e decidir sobre a prorrogação de prazo das Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que têm poder para investigar o Executivo. Na Casa, só podem funcionar até cinco CPIs ao mesmo tempo, e é o presidente quem decide quais comissões são mantidas e quais são encerradas.

O plenário da Câmara dos Deputados Foto: Dida Sampaio|Estadão

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Mesmo antes de assumirem seus cargos no Congresso, parlamentares já estão coletando assinaturas para a instalação de uma CPI contra a mineradora Vale, após o rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho, em Minas Gerais, há cerca de uma semana. Desde a revelação, em dezembro do ano passado, de que um ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL) fez movimentações financeiras atípicas, a oposição também tem aventado a possibilidade da abertura de uma CPI sobre o caso. 

O chefe da Câmara também pode ser decisivo para o sucesso do governo na pauta econômica mais importante do ano, a reforma da Previdência. É ele quem decide, por exemplo, se duas ou mais Propostas de Emenda Constitucional (PECs) sobre o mesmo assunto, em diferentes estágios de tramitação, podem ser analisadas em conjunto. Na prática, isso quer dizer que a proposta de Bolsonaro para a Previdência pode ser anexada à PEC do ex-presidente Michel Temer, que já passou por uma comissão especial. Isso encurtaria o tempo de tramitação da proposta, considerada fundamental para as contas públicas. 

O presidente da Câmara também pode indicar relatores para algumas comissões, além de ter a prerrogativa de convocar sessões extraordinárias no plenário. “Ele pode facilitar ou dificultar a vida do governo enormemente”, diz o analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).

O candidato vitorioso na disputa da Câmara também terá influência sobre a Mesa Diretora, que decide sobre assuntos administrativos da Casa. Despesas com viagens oficiais de deputados, contratação de consultorias e serviços médicos, por exemplo, precisam ser autorizados pela presidência. 

Até mesmo disputas em relação ao tamanho do gabinete das lideranças partidárias podem ser mediados pelo presidente. A regra é que os gabinetes individuais sejam sorteados entre os parlamentares e, no caso do gabinete destinado às lideranças, o tamanho seja proporcional às bancadas de cada partido. Não é incomum que, quando o número de parlamentares cai drasticamente de uma legislatura para outra, os deputados tentem negociar reduções de espaço menos drásticas. Nesse caso, a última palavra é do presidente.

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Outra prerrogativa do presidente da Casa é poder usar aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) para viagens oficiais ou para sua cidade de origem. Ele também é responsável por assumir a chefia do Executivo em caso de viagens do presidente e do vice-presidente. Há ainda esquema de segurança diferenciada, carro da Casa e o direito de viver em uma residência oficial, localizada no Lago Sul, região nobre de Brasília. 

Residência oficial da Câmara dos Deputados, no Lago Sul, em Brasília, tem 800 metros quadrados. Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Postulantes

Segundo noticiou o Estado, Rodrigo Maia (DEM-RJ) é o favorito para liderar a Casa. Com a desistência do líder do PP na Câmara, Arthur Lira (AL), Maia deve ter ao seu lado 15 partidos e mais de 300 deputados. Ele chegou à liderança da Casa em 2016 após Eduardo Cunha (MDB-RJ) ter renunciado devido à cassação de seu mandato pelo Supremo Tribunal Federal. Era um "mandato-tampão" de seis meses. Depois, manteve-se no cargo e agora tenta a segunda reeleição. 

A oficialização das candidaturas só ocorre na sexta, mas o clima é de campanha. Pelo menos outros seis deputados devem entrar na disputa: Fábio Ramalho (MDB-MG), João Henrique Caldas (PSB-AL), Ricardo Barros (PP-PR), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Alceu Moreira (MDB-RS). 

O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM). Foto: André Dusek/Estadão

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Importância política

Diversos políticos que assumiram a presidência da Casa se notabilizaram por exercerem cargos ainda mais altos na República. É o caso de Michel Temer (MDB), que foi presidente da Câmara dos Deputados em três ocasiões: 1997-1999, 1999-2001 e 2009-2010. Ulysses Guimarães também chefiou a Câmara por duas ocasiões: 1985-1987 e 1987-1989, quando foi um dos responsáveis pela criação da nova Constituinte brasileira. O ex-governador mineiro Aécio Neves (PSDB), que disputou as eleições presidenciais em 2014 e ficou em segundo lugar, também presidiu a Casa, entre 2001 e 2002. 

Três perguntas para: Carlos Melo, cientista político e professor do Insper

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Por que o comando da Câmara dos Deputados é tão importante para o Executivo? 

Em primeiro lugar, porque a presidência tem o poder de pautar as matérias e de decidir exatamente o que vai a voto e quando, no momento mais adequado. É estratégico (o presidente) ter uma boa relação e uma sintonia fina com a presidência da Câmara e do Senado. 

Jair Bolsonaro foi eleito com um discurso de certa forma hostil aos partidos tradicionais e ao "toma lá, dá cá". Como isso deve ser recebido pelos congressistas? 

A tendência é que se estabeleça ali um conflito entre uma disposição nova de "fazer diferente" com os velhos hábitos, em que os parlamentares negociam seus interesses como a liberação de verbas e cargos. Mas isso nem sempre é ilegítimo, pode ser legítimo numa ideia de composição de governo, por exemplo. 

O que no histórico das últimas legislaturas e governos deve ser levados em conta neste atual momento?

Não sabemos se essa eleição significou ou não uma ruptura. Tivemos uma eleição atípica e em tudo diferente. Um candidato de um partido que praticamente não existia antes. Então, não há referências de governos anteriores para se falar qual a prática de Bolsonaro ou de seu grupo. Só vamos saber como será a partir da semana que vem, depois que passar essa fase de votação. 

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