Comissão da Verdade adota agenda secreta

Por LEONÊNCIO NOSSA E ALANA RIZZO
Atualização:

Criada para relatar segredos da ditadura militar, a Comissão da Verdade optou por uma agenda secreta de trabalho. Até agora, o grupo só colheu testemunhos sigilosos de agentes da repressão, obrigando-os a assinar termo de compromisso de não dar entrevistas após prestar informações. A posição contraria o discurso adotado pelo governo durante a tramitação do projeto de lei que criou a comissão e também do que aconteceu em outros países.Há duas semanas, o grupo ouviu Harry Shibata, 85 anos, ex-médico legista do Instituto Médico Legal (IML) de São Paulo, que produzia laudos falsos para acobertar crimes da ditadura. Foi Shibata quem atestou que o jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado numa cela do DOI-Codi, de São Paulo, em 1976, "cometeu" suicídio. O relato do legista à comissão foi mantido em sigilo. A comissão se limitou a informar, uma semana depois, que Shibata tinha prestado um depoimento "frustrante".Integrantes da comissão argumentam que o sigilo é pedido pelas testemunhas que, assim, ficariam mais à vontade para esclarecer episódios obscuros. O sigilo, no entanto, não impediu que Shibata desse um depoimento "fraco", uma avaliação do grupo.Ivo Herzog, filho de Vladimir, disse compreender o uso do sigilo. "A gente não teve acesso ao conteúdo, só ouviu rumores", afirmou Ivo, que considerou "decepcionante" a postura de Shibata. "Em certos momentos, isso é interessante. Mas a questão precisa ser debatida."No começo da semana passada, os advogados Rosa Maria Cardoso e José Carlos Dias, integrantes da comissão, disseram que o grupo definiu uma agenda que incluirá depoimentos em sessões abertas. Não informaram, porém, os critérios que vão definir essas ações.O colegiado tem prazo de dois anos para apresentar relatório final com suas conclusões. Para o historiador Jair Krischke, do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, a comissão infringe a Constituição Federal ao esconder suas reuniões. "A Constituição só prevê a regra do sigilo no serviço público em casos envolvendo segurança nacional e direito de família", disse. "Vejo o sigilo com um profundo desprazer. A transparência é uma exigência. A comissão começou mal", ressaltou. "Com o sigilo, fico em dúvida se o relatório será fiel aos depoimentos."Na avaliação de Krischke, quem deveria dizer se um depoimento foi frustrante são os parentes das vítimas, entidades de direitos humanos e a opinião pública. Ele pôs em xeque o tratamento dado a Shibata. "Será que as perguntas feitas a ele foram as mais adequadas e oportunas?"Mais tempoDesde sua instalação, em maio, a comissão se reúne nas tardes de segunda-feira. No final do dia, Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), atua como porta-voz do grupo e passa informações genéricas sobre as atividades. Ele e outros integrantes da comissão dizem que precisam de tempo para organizar e estruturar os trabalhos. Argumentam que ainda que estão montando a equipe de assessores. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.

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