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Comandante trabalha no navio há 29 anos

Por Agencia Estado
Atualização:

O comandante Waldir da Costa Freitas está no mar há 40 anos, mais da metade dentro do navio oceanográfico Professor Besnard. Ele chegou ao posto máximo dessa embarcação em 1984 e foi responsável por levar a equipe para a montagem da base brasileira na Antártida. Aos 60 anos, Freitas se define como uma pessoa excessivamente ?calma, prudente e esquecida?. Ele tem três filhos, sendo a mais nova bióloga marinha, a única que seguiu a paixão do pai pelos oceanos. ?Os outros dois, homens, enjoaram quando embarcaram e não quiseram mais saber?, comentou. A família mora em Santos, mas Freitas naceu em Belém, capital do Pará. Um dos episódios mais marcantes em sua vida de marinheiro foi um naufrágio, quando era segundo oficial no navio de carregamento de sal Maringá, em 1968. A carga foi colocada na embarcação na cidade de Areia Branca, no Rio Grande do Norte, e seguiria até Cabo Frio. Na hora do carregamento, um acidente provocou um buraco no casco, que não foi percebido pela tripulação até que a água começasse a entrar no navio e jogar fora todo o sal. ?O tempo ficou ruim no Recife (Pernambuco), onde a gente abasteceu. A gente naufragou perto de Estância, no Sergipe, depois de ficar três dias à deriva?, lembrou. A água que entrava começou a rachar o navio ao meio. Um outro tentou rebocá-los, sem sucesso, pois o tempo não colaborava. ?O comandante autorizou o abandono, mas nós, oficiais, resolvemos ficar com ele?, disse. Para deixar o navio, as pessoas tinham de esperar o rebocador ser jogado contra o Maringá. Nessa hora, pulavam de um navio para o outro. ?Eu pensava no meu filho, que tinha acabado de nascer, e que eu não o conheceria?, contou. O radiotelegrafista decidiu, na última hora, abandonar o navio. Pulou para o rebocador e levou junto o radiotransmissor. ?Ele tinha dito todo o tempo que iria ficar, mas quando a coisa ficou feia, largou tudo, e na hora fiquei com uma raiva danada. Depois que o navio começou a afundar, pensei comigo mesmo por que diabos eu não tinha pulado para o rebocador?, confessou ele, que hoje ri do episódio. Conseguiram chamar o rebocador de volta, e o restante da tripulação, incluindo o comandante, abandonou o Maringá. ?Menos de 15 minutos depois, ele afundou?, lembrou. Eles ainda tentaram salvar uma gata, que tinha dado à luz a seis filhotes, mas ela era muito brava, não deixou ninguém chegar perto - a família felina acabou naufragando. Uma outra situação de risco ele passou no comando do Besnard, na Passagem de Drake, na extremidade sul do continente americano, quando voltavam da Antártida. No local, o tempo é instável e os ventos chegam a 200 km/h. Em 1998, o eixo propulsor, que liga o motor à hélice, partiu, e não havia jeito de manobrar o navio. ?Fomos rebocados até Porto William e depois para Punta Arenas, no Chile, onde pudemos arrumar o eixo para voltar ao Brasil?, contou. O comandante Freitas explica que as viagens do Besnard para a Antártida foram tiros no escuro. ?Na época, o único navio civil em condições de ir para lá no Brasil era o Besnard, que não é um navio de gelo. Um engenheiro avaliou e disse que não tinha problema, e a gente nunca tinha viajado até a Antártida, não tínhamos como dizer que o navio não poderia fazer a viagem?, explicou. Freitas tem vontade de deixar a profissão, mas ainda está se preparando para a aposentadoria. Quando deixar o comando, assumirá seu lugar o sub-comandante Antônio Clemente Guedes, há 25 anos no Besnard. ?Ele me passa o comando se eu não ganhar na Loteria antes?, brincou Guedes.

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