Coletivo faz checagem de temas religiosos e vê políticos como propagadores de notícias falsas

Projeto Bereia usa trechos bíblicos e reúne especialistas; congressistas são maiores propagadores de notícias falsas

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Por Natália Santos
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Em março de 2021, quando o Brasil registrava quase 260 mil mortos por covid-19, o presidente Jair Bolsonaro participava da inauguração do trecho da Ferrovia Norte-Sul, em São Simão (GO), quando, ao fazer referência aos danos na economia por causa do isolamento social, afirmou: “A própria Bíblia diz, em 365 citações, ‘não temas’. Mas, se ficarmos em casa o tempo todo e dizer (sic) que a economia a gente vai ver depois… Uma parte a gente está vendo agora o que foi essa política. Qual o futuro do Brasil?”

Ligados na declaração, integrantes do Coletivo Bereia decidiram investigar se o uso do trecho bíblico por Bolsonaro fazia sentido no contexto em que estava inserido, a pandemia. Para essa checagem, pastores, padres e pesquisadores de sagradas escrituras foram ouvidos. A conclusão do coletivo foi de que uma das ideias mais fortes na Bíblia relacionadas à expressão “não temas” é o conceito de “proteção”. A expressão aparece também no episódio em que os hebreus se recolheram às suas casas para escapar das pragas que atingiram os egípcios. O fato tem certa semelhança com os acontecimentos atuais, mas com significado oposto ao mencionado pelo presidente. 

Editora do projeto, Magali Cunha junta jornalismo com fact-checking para analisar conteúdos. Foto: Wilton Junior/Estadão

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Criado a partir de uma pesquisa na Universidade Federal do Rio de Janeiro sobre circulação de desinformação no WhatsApp, o Coletivo Bereia usa trechos bíblicos e consulta com especialistas para checar afirmações publicadas em mídias religiosas. Bereia (hoje Véria, na Macedônia) foi a cidade onde o apóstolo Paulo pregou e suas palavras eram checadas com os evangelhos. O trabalho se estende a redes sociais de lideranças religiosas no Brasil e no exterior e para contas com conteúdos religiosos. 

A editora-geral do Bereia, Magali Cunha, disse que política é um dos temas mais checados pelo coletivo. Checadores do projeto constataram que os ministros cristãos e integrantes da bancada religiosa no Congresso Nacional são “fortes propagadores de informações falsas”. Outros assuntos estão no radar do coletivo – como saúde, sexualidade e “cristofobia”, que, segundo a editora, “têm sido bastante usados para dizer que os cristãos estão em perigo porque quando se levantam para criticar algo são silenciados, castrados”.

O coletivo é o primeiro especializado em fact-checking religioso. Ao que se sabe, segundo Sérgio Lüdtke, editor do Projeto Comprova, é também o único projeto assim no mundo. O diferencial do Bereia não para por aí. Magali relatou que, após pesquisar o modus operandi de agências de checagem no Brasil e no exterior, o grupo criou sua própria metodologia “que junta jornalismo especializado em religião com fact-checking e com pesquisa voltada para a temática da religião no Brasil”.

Outra característica específica é a constituição da equipe. De caráter voluntário, ela abarca evangélicos, católicos, espíritas e também pessoas sem ligação com a religião, mas que possuam afinidade e interesse na temática. A multiplicidade de percepções e de conhecimentos religiosos potencializa o trabalho do Bereia, que é independente de instituições religiosas, mas conta com o apoio de organizações baseadas na fé. 

Tanto o conhecimento especializado em religião quanto a equipe familiarizada com o tema possibilitaram ao Bereia aperfeiçoar sua forma de comunicação com os fiéis ao desenvolver uma linguagem específica e direcionada a partir de fundamentos da crença e mesmo de passagens da Bíblia. Magali disse que esse zelo pela linguagem tem como objetivo fazer com que as checagens alcancem o maior número de fiéis e, assim, multipliquem as chances de se compartilhar a veracidade do conteúdo.

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