'Coaching político' busca o bom gestor

Serviço de construção de imagem, que pode custar até R$ 30 mil, atrai aspirantes à carreira política; perfil se destacou nas eleições municipais de 2016

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Por Gilberto Amendola
Atualização:

Vai faltar divã. Aspirantes à carreira política ou políticos procurando repaginar a própria figura pública estão investindo em terapia, psicologia positiva, neurociência e em sessões de coaching e marketing pessoal. A ideia é se moldar aos anseios do eleitorado e, principalmente, não parecer com aquilo que se pretende ser. Ou seja, não ter cara, jeito ou postura de... político.

Alessandra Cassapula é coaching de políticos Foto: GABRIELA BILO/ESTADAO

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Esse movimento é reflexo direto das eleições municipais do ano passado, quando o modelo do ‘não político’ e do ‘gestor/empresário’ saiu vitorioso em diversas cidades brasileiras – tendo os prefeitos João Doria (São Paulo) e Alexandre Kalil (Belo Horizonte) como exemplos mais badalados. Além disso, trata-se de uma reação aos estragos que a Operação Lava Jato tem feito na imagem de muitos figurões (ou ex-figurões) da República.

A reinvenção (ou reprogramação) do político brasileiro, de acordo com os profissionais do coaching, pode se dar através de cursos, sessões, encontros, aulas individuais ou em grupo. Dependendo do ‘pacote’ e do período de acompanhamento, o serviço pode sair de R$ 4 mil à R$ 30 mil. Em alguns casos, o coach acompanha seu pupilo por mais de dois anos. “O autoconhecimento que estou adquirindo na terapia e nas sessões de coaching já me fizeram um líder melhor na minha empresa. Em breve, quero aplicar isso em uma carreira política apresentando-me como um bom gestor”, fala o empresário Danilo Boni, 33 anos, frequentados de sessões de coaching político e terapia.

A psicóloga e master coach Alessandra Cassapula costuma trabalhar com 12 sessões de 1 hora cada. No caso de Alessandra, o foco é o autoconhecimento e o desenvolvimento da capacidade de liderança. “O coaching político é um processo que visa o desenvolvimento de competências, habilidades técnicas, emocionais e comportamentais dos líderes políticos. Nosso objetivo é mudar os padrões mentais de quem ainda não está pronto para enfrentar uma carreira tão competitiva como essa”, diz. “Atuamos no sentido de eliminar comportamentos negativos e crenças limitantes, que podem levar o político a cometer erros, perder o foco ou se sentir desmotivado”, completa.

Durante as sessões, Alessandra propõe alguns exercícios aos seus clientes, como a vizualização de um modelo político a ser perseguido. “Peço para o cliente imaginar uma figura que ele admira e, a partir daí, vamos construindo um caminho para que ele chegue ao nível dela. Na maioria das vezes, não são políticos os modelos lembrados, mas a figura de empresários e esportistas”. Alessandra diz que a ascensão desse tipo de perfil no imaginário de quem pretende se transformar em político tem a ver com a ideia de ‘alta performance’, ‘conquista de objetivos’, ‘postura vitoriosa’ e ‘gestão’ – e com todo um vocabulário muito mais próximo do mundo corporativo e esportivo do que o da política. Na mesma linha, vai o executive coach Alessandro Brás. Segundo ele, uma das funções do coaching pode ser a de construir a imagem de um político com perfil administrador e de liderança. “O que o eleitor está procurando são pessoas que cuidem do governo como se cuidassem das próprias empresas”, diz.

Poder da mente. Para o coach José Roberto Marques, um dos pontos mais importante é ensinar o aluno o poder da mente. “Nas minha aulas, explico que o hemisfério esquerdo do cérebro é o que comanda a razão; e que o lado direito é aquele mais benevolente, que gera aconchego e pode gerar empatia”. O trabalho de Marques consiste, basicamente, em despertar a comunicação não verbal de seus clientes e transformá-los em figuras mais palatáveis e ‘charmosas’ aos olhos de seus eleitores. “O eleitor tem que sentir que, quando você fala, ele é a única pessoa que importa no mundo naquele momento. Isso se conquista aprendendo a ter foco e atenção. Quando você controla o cérebro, até a postura corporal muda, fica mais amigável. Políticos precisam aprender a criar vínculos”, explica. Marques explica que políticos 'antigos' ou 'tradicionais' podem até desenvolver intuitivamente essas técnicas, mas que o novo político precisa estar conscientimente preparado para aplicá-las em seu cotidiano.

Após a fase do "autoconhecimento", alguns profissionais também trabalham com a "casca". O coach Daniel Machado diz que faz um trabalho personalizado, que inclui um estudo de viabilidade eleitoral, testes de vídeo e dicas de como se comportar em redes sociais e até de como se vestir. “Rede social não é vitrine. É interação. O candidato precisa aprender a interagir com o eleitorado e até ser discreto. As pessoas esquecem que existe a chamada ‘memória das redes sociais’, uma palavra mal colocada, uma opinião estranha, pode acabar com uma carreira política promissora”.

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Outro lado. Para o cientista político Humberto Dantas (FGV-SP), a expansão do chamado coaching político pode ser encarado de duas formas: uma boa e outra ruim. “Se o coach é aquele que está apenas interessado em fazer um sujeito ganhar uma eleição, ganhar sem nenhum tipo de valor ou conhecimento político, acho que é um desserviço ao País. Agora, se o coach tem um compromisso ético de construir um político melhor, acredito que pode ser valido”, diz. Dantas completa: “Mas as vezes eu penso que o trabalho deveria ser outro. Quem precisa aprender a procurar melhores opções é o eleitor. Quem precisa de coach, talvez, seja o eleitor”. Também vai faltar divã.

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