12 de maio de 2016 | 05h00
“Vínhamos sobrevivendo com a manutenção de computadores, mas os clientes diminuíram com o agravamento da crise, porque não tinham dinheiro nem para pagar os consertos, muito menos para comprar uma máquina nova”, conta Marta, mulher de Paulo, formada em Radiologia, lembrando o arrocho do orçamento familiar dos últimos anos. Sem recursos para as despesas do mês, o casal decidiu investir no futuro, ao mesmo tempo que reduzia os gastos.
Paulo e Marta são um exemplo do que aconteceu com a classe C, a chamada nova classe média, durante os governos Lula e Dilma. Entre 2006 e 2012, no boom do consumo, 3,3 milhões de famílias subiram um degrau, das classes D/E para a classe C, segundo um estudo feito pela Tendências Consultoria Integrada.
Eles começaram a ter acesso a produtos e serviços que antes não cabiam no seu bolso, como plano de saúde, ensino superior e carro zero. Mas, afetadas pelo aumento do desemprego e da inflação dos últimos anos, essas famílias começaram a fazer o caminho de volta.
De acordo com o estudo, desde o ano passado e até 2017, 3,1 milhões de famílias da classe C, ou cerca de 10 milhões de pessoas, devem cair e engordar a classe D/E.
Bolsa de estudo. Aprovado no Enem, Paulo ganhou bolsa do Prouni para estudar na Universidade Paulista (Unip), onde cursa o sétimo semestre. A filha Kawana, de 25 anos, também ganhou bolsa do Prouni para estudar Economia na Unip e pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas. O filho Kalel, de 15 anos, ainda não sabe que carreira escolher. Marta e Paulo compraram livros usados no Mercado Livre, na internet, para os filhos estudarem em escolas particulares. Viagem ao exterior é um sonho que vem sendo adiado.
A classe C, à qual pertence a família do casal Marta e Paulo, está claramente recuando no poder de compra. “Não significa que está diminuindo de tamanho, mas está conseguindo comprar menos atualmente, porque a inflação sobe mais do que o salário”, observa Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Data Popular, especializado na análise das classes C e D.
“A realidade está mais difícil do que antes de 2013 e as pessoas estão perdendo aquilo que haviam conquistado quando a economia era mais próspera”, afirma Meirelles. “Há um sentimento de orfandade e abandono, uma sensação de falta de perspectiva.”
Futuro. Como não se vê luz no fim do túnel, a recuperação da esperança depende de um novo governo, seja ele qual for, estender o ajuste às classes C e D, explicando sempre o que esse ajuste significa para cada um. Meirelles adverte que “44% da população declarou-se insatisfeita com Dilma Rousseff por achar que ela deixou de investir”. “É preciso traduzir o ajuste fiscal, mostrando que se está fazendo essa escolha sem esquecer dos mais pobres”, acrescenta. “Os ministros fazem a macroeconomia sem pensar no cotidiano, esquecendo-se de que dentro de cada casa sempre se faz uma escolha, ajustando-se as compras ao salário corroído pela inflação.”
O ajuste familiar pode exigir corte de despesas com compra de produtos mais baratos nos supermercados ou busca de novas rendas, dobrando o turno de trabalho, por exemplo.
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