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Cineasta nega que tenha participado de ato contra golpe

Por Wilson Tosta
Atualização:

Em cadeira de rodas há cerca de um ano, o cineasta Silvio Tendler afirmou nesta quarta-feira (19) ao delegado Alcides Pereira, titular da 5ª DP (Gomes Freire), que não participou do ato contra o golpe de 64 que se transformou em confusão entre ativistas e oficiais da reserva junto ao Clube Militar, no Rio de Janeiro, em 29 de março passado. Nem poderia: quando houve o tumulto, Tendler, autor de documentários de sucesso como "Os Anos JK" e "Jango", se recuperava de cirurgia na medula, que sofrera em fevereiro, e já não podia andar.Enquanto depunha, cerca de 50 pessoas, entre ativistas do Partido Comunista do Brasil, Movimento dos Sem-Terra, Grupo Tortura Nunca Mais e estudantes, com cartazes com os rostos de mortos e desaparecidos políticos da ditadura, como Rubens Paiva e Iara Iavelberg, protestavam na porta da delegacia contra a investigação."Acho que consegui reverter a acusação", declarou, depois do depoimento, que prestou com apoio de advogados, de seu médico e de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras entidades. "Eles me consideram presente no ato. Não fui não por falta de vontade, mas porque não podia sair. Me puseram presente jogando pedra. Consegui mostrar todas as mentiras. No processo, chamam de reunião um ato para comemorar o golpe de 64 desacatando determinação da presidente da República, de proibir esses atos. Aquela reunião estava coalhada de generais da reserva que devem obediência à presidente da República."O cineasta lembrou também que sua mãe foi presa durante a ditadura. "Não só roubaram o relógio dela, como foi agredida, torturada, humilhada, nas dependências do DOI-Codi", disse. "Provavelmente, um dos torturadores dela estava nesse ato de comemoração." Advogados que acompanharam Tendler consideraram que o depoimento foi legal, mas um deles, Modesto da Silveira, afirmou que o cineasta poderá processar quem lhe causa danos morais e materiais ao acusá-lo injustamente.Tendler é um dos citados em investigação aberta pela Polícia Civil a pedido do Clube Militar para apurar o crime de constrangimento ilegal qualificado, que teria ocorrido quando ativistas de partidos e organizações de esquerda cercaram a sede da entidade, no centro do Rio, durante ato em comemoração dos 48 anos do golpe de 31 de março de 1964. Depois de sitiados no prédio na esquina da Avenida Rio Branco com rua Santa Luzia, os oficiais da reserva precisaram de proteção policial para sair. Houve bate-boca, acusações de tortura e estupro de presos, muita tinta vermelha jogada nos militares e até cusparadas. A Polícia usou gás de pimenta e bombas para garantir a retirada. O cineasta, acusado de gravar um vídeo convocando o ato estava longe: fora operado para descomprimir a medula, problema que o deixara tetraplégico.Em seu protesto desta quarta, ativistas exigiram a abertura dos arquivos da ditadura e prisão para os torturadores. "Eu quero/eu quero/eu quero a verdade sim/a história do País não é assim", entoavam, em meio a batucada, na porta da DP. "Também houve gritos de "Silvio Tendler é meu amigo/mexeu com ele/mexeu comigo", e, depois da saída do cineasta, até "Abaixo a ditadura" e "Pela vida, pela paz, tortura nunca mais . A cerca de cem metros dali, fica a ex-sede do antigo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), uma das agências de repressão da ditadura, em reforma para possivelmente virar um shopping.O presidente do Clube Militar, general da reserva Renato Tibau, não foi localizado pela reportagem para comentar a investigação, assim como seu assessor especial, general da reserva Clóvis Purper Bandeira, indicado para falar em seu nome. O chefe de gabinete da presidência da entidade, coronel da reserva Pedro Figueira Santos, negou que o clube tenha acusado Tendler de estar presente ao ato que se transformou na confusão. "Nosso pedido visava a apurar a participação desse cidadão no incitamento. Ele incitou a fazerem o que fizeram. Não dissemos que ele estava presente", afirmou.

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