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Cezar Peluso: 'Somos o único País que tem quatro instâncias recursais'

Ministro critica proliferação de recursos aos tribunais superiores e diz que trabalhará por mudança na Constituição que encurte a duração dos processos

Por Felipe Recondo , Rui Nogueira , Mariângela Gallucci e BRASÍLIA
Atualização:

Uma mudança radical no sistema de recursos judiciais está na cabeça do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso. Uma proposta que visa a diminuir radicalmente a impunidade, acabar com a proliferação de recursos para os tribunais superiores e encurtar a duração dos processos.

 

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Peluso adiantou ao ministro da Justiça do governo Dilma Rousseff, José Eduardo Martins Cardozo, que trabalhará para mudar a Constituição e estabelecer que todos os processos terminem depois de julgados pelos tribunais de Justiça ou pelos tribunais regionais federais. Os recursos ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e ao STF serviriam apenas para tentar anular a decisão, mas, enquanto não fossem julgados, a pena seria cumprida.

 

"O Brasil é o único país do mundo que tem na verdade quatro instâncias recursais", afirmou Peluso, durante entrevista ao Estado. Mas o presidente sabe que enfrentará forte resistência. "Pode escrever que isso terá a resistência dos advogados", observou. "Pode ter certeza."

 

Se o senhor tivesse que tomar duas decisões para melhorar a Justiça, quais seriam?

Não existe uma coisa só que, se fosse resolvida, solucionaria todo o problema do Judiciário. Há vários pontos de estrangulamento. A celeridade é importante, mas não a levo às últimas consequências como a coisa mais importante.

 

Por quê?

Primeiro porque o problema do retardamento dos processos não é uma coisa tipicamente brasileira. A Justiça tem certa ritualidade que implica tempo. O que não pode haver são esses casos absurdos de processos que passam de gerações. Mas isso envolve outro problema que é objeto de grande preocupação nossa e queremos celebrar um novo pacto republicano para resolvê-lo.

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Que problema?

É o problema dos graus de instâncias recursais. O Brasil é o único país do mundo que tem, na verdade, quatro instâncias recursais. O STF funciona como quarta instância. Precisamos acabar com isso.

 

Como?

Uma proposta que já fiz, inclusive para o próximo ministro da Justiça, é transformar os recursos especiais (recursos para o STJ) e extraordinários (recursos para o STF) em medidas rescisórias. A decisão transita em julgado e o sujeito entra com recurso que será examinado como ação rescisória (serviria para posteriormente anular a decisão). Se tirássemos o caráter recursal – que suspende a eficácia da decisão e leva toda a matéria para ser discutida nos tribunais superiores – os tribunais decidiriam e o processo transitaria em julgado.

 

Qual é a consequência disso?

Isso acaba com o uso dos tribunais superiores (STJ e STF) como fator de dilação (demora) do processo. O STF não consegue julgar isso rapidamente. E mais: isso valoriza os tribunais locais. O que eles decidirem, está decidido. Acaba com o assunto.

 

O sr. vai encampar essa proposta?

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Vou propor isso. Ainda vou deixar isso amadurecer na cabeça dos outros. Na minha, isso já está muito assentado.

 

Por que precisa pensar mais?

Pode escrever que isso terá a resistência dos advogados. Pode ter certeza.

 

Que avaliação o sr. faz de seu primeiro ano na presidência?

Foi um ano muito bom tanto para o STF quanto para o Conselho Nacional de Justiça. O mais importante: acho que nós conseguimos, no Rio de Janeiro, uma coisa inédita, um momento importantíssimo do ponto de vista da história do Judiciário brasileiro e do sistema de segurança, que foi o acordo que nos permitiu colocar órgãos jurisdicionais (como juízes, defensoria pública e Ministério Público) e extrajudiciais (como cartórios) nas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).

 

Mas isso vai para todas as UPPs?

Todas. A UPP vai passar a ser um centro que reunirá a polícia militar, a polícia civil, o apoio das Forças Armadas, e terá mais a presença do Judiciário. Se der certo, considero a coisa mais importante que o Judiciário fez no Brasil nos últimos 20 a 30 anos. Isso para mim já seria suficiente.

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O STF ficou mal por não ter decidido o destino da Lei da Ficha Limpa?

Não acho que fique mal. Foi inevitável. A lei foi aprovada às vésperas da eleição. Ela provocou processos às vésperas da eleição e esses processos ainda não chegaram todos ao STF. O Supremo não pode fazer nada.

 

Por que o sr. não quis desempatar o julgamento?

Não quis usar o voto de qualidade (de desempate) porque os mesmos ministros que aprovaram a emenda regimental me dando esse poder, como estavam muito apaixonados, não queriam que eu usasse. Eu ia ter que impor uma decisão e isso realmente parecia um ato de despotismo.

 

O Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por não ter punido responsáveis por mortes na Guerrilha do Araguaia. Para o STF, os crimes estão anistiados. Como o sr. avalia isso?

Há algumas coisas que são indiscutíveis. Primeiro: a Corte Interamericana não é instância revisora do STF. Eles não têm competência nem função de rever as decisões do STF. Nossa decisão no plano interno continua tão válida quanto antes. Morreu o assunto.

 

Como compatibilizar as decisões?

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Se o presidente da República resolver indenizar as famílias (de mortos durante a Guerrilha do Araguaia), não há problema. Mas se abrirem um processo contra qualquer um que o STF considerou anistiado, o tribunal mata o processo na hora.

 

O que está por trás da decisão?

Há interesses ideológicos. Cada país tem sua cultura e sua maneira de acertar as contas com o passado. Cada um sabe o que faz. Há muita pressão ideológica e de grupos pequenos. Agora, o que podemos fazer hoje? Todas as ações, penais e civis, estão prescritas.

 

Alega-se que foram crimes de lesa humanidade e, por isso, imprescritíveis.

A nossa Constituição, a partir de 1988, disse que não prescreve. O que ficou para trás está prescrito.

 

Como o sr. avalia a decisão do STF?

Eu acho que o STF deu uma decisão importante para pacificação da sociedade. Do ponto de vista dos interesses superiores da sociedade, o STF deu uma contribuição importante. As Forças Armadas poderiam se ressentir de certas coisas...

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O sr. é favor do fim do foro privilegiado?

Sou a favor da redução do foro. Tem muita gente com foro privilegiado. Podia reduzir um pouco.

 

O sr. defende o fim das transmissões ao vivo das sessões do STF?

Eu sou adepto. Se dependesse única e exclusivamente de mim, eu tiraria. Mas não é um problema da televisão. Para mim, o sistema é que não é bom. Não porque transmitir é ruim. É porque o sistema dessa discussão pública é ruim, com ou sem TV.

 

Falta alguém que pacifique o plenário para evitar os bate-bocas?

Não. Falta um sistema que modifique o atual. Isso é produto do sistema. Em lugar nenhum do mundo, exceto no Brasil, no México e em alguns cantões da Suíça, a corte constitucional delibera em público.

 

Por que não é bom?

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A deliberação em público, como ocorre no STF, não permite que a sociedade capte o pensamento da Corte como órgão unitário. Há pensamentos isolados. Segundo: o fato de estar exposto ao público e a câmeras de televisão altera natural e inapelavelmente o modo de ser das pessoas. Ninguém canta em público como canta quando está sozinho no chuveiro em casa.

 

Como é isso?

Eu sei que estou em público, meu comportamento muda. Se estou sendo julgado pelo público, se estou exposto, eu me altero. É da condição humana.

 

Não é melhor julgar em público?

Não acrescenta nada. Isso distorce. Nenhum ser humano é capaz de ser pura racionalidade e frieza. Exigir isso do STF é uma aberração. É impossível nesse sistema imaginar que alguém consiga pacificar.

 

Essa forma de julgar privilegia a transparência e a publicidade.

Transparência é bom? É ótimo. Publicidade é bom? É ótimo. Ao contrário, em termos absolutos, não. Nosso problema não é a publicidade, mas o excesso de publicidade.

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