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Jornalista Rosângela Bittar escreve semanalmente sobre o cenário político do País

Centrão na cabeça

Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo previsões

Por Rosângela Bittar
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro cometeu um erro essencial de política. Transformou um presságio em uma aposta do tipo cara ou coroa. No fim, quedou-se paralisado, à espera de uma decisão por pênaltis que não virá porque nem sequer consta do regulamento. Por este momento de alucinação, torpor e instabilidade, Bolsonaro terá de operar uma desafiadora metamorfose: transformar-se de radical raivoso em moderado condescendente.

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Se vai conseguir é o que veremos nos próximos meses. No momento, comporta-se como reles perdedor em série. Perdeu com a vitória de Joe Biden e Kamala Harris. Perdeu com o revés de Donald Trump, um modelo pessoal e político. Perdeu com o péssimo desempenho de seus candidatos nas eleições municipais. Perdeu diante do impulso de reação dos seus adversários presidenciais, que foram acordar logo agora, na sua maré baixa.

Isolado, o presidente consolidou a condição de maior refém do Centrão, sendo a única saída para sobreviver e ainda pleitear a reeleição. Por esta dependência presidencial, o Centrão se fortaleceu. Sobretudo porque sairá revitalizado das eleições municipais.

Para avaliar o preço que o Centrão cobrará não é preciso ter imaginação. Seus parlamentares sabem onde, quando e como tomar de assalto o governo. No restrito grupo de aliados fanáticos do presidente ainda se ouvem apelos esparsos para ele recrudescer nas atitudes de beligerância, fugindo, como sua matriz, à realidade. Mas o Centrão vai pressionar em contrário. Acredita ser fácil mostrar ao presidente que sua tropa é a última reserva de que ele dispõe.

Bolsonaro não tem saída, certamente refletirá sobre as transformações a que deve se submeter. As mais difíceis não estão relacionadas à troca dos ministros, que ele poderá sacrificar, sem problemas, doando-lhes outras vantagens.

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Terá, porém, de redimensionar alguns caminhos. A importância da rede social como instrumento principal de campanha se relativizou. Com a chegada da regulação das empresas de tecnologia, que tiram mentirosos do ar, as redes deixaram de ser espaço livre por onde circulavam, impunemente, a falsidade e o conflito. Bolsonaro terá de reinventar o uso e abuso desses meios. Neste capítulo, o difícil será atender a família, insaciável, permanente e agressiva. Desta não dá para se livrar. 

Não colou, até agora, a tática de denúncia antecipada de fraudes na eleição. Trump não conseguiu sensibilizar nem todo seu eleitorado e Bolsonaro vem denunciando, sem sucesso, fraude na eleição que venceu, de 2018. Imagine-se o que fará numa eleição que poderá perder. Desde sempre incentiva aliados a apresentarem projetos para a volta do voto impresso. Renegando a tecnologia, cada vez mais dominadora e irreversível.

E o fantasma do comunismo? Não deu certo lá e não tem apelos mais fortes no Brasil. Embora tenha feito sua carreira política em cima destas fixações, Bolsonaro deve avaliar sobre como se livrar destes anacronismos que são a sua essência.

É impossível ter êxito num recuo tão radical em temas de que está impregnado o seu cotidiano, mas pode tentar. A negação da ciência na pandemia, por exemplo, exige-lhe revisão urgente, e ele insiste em politizar a vacina, a doença e a morte. Como fez ainda ontem. Mudar seria uma guinada e tanto para Bolsonaro.

E dele se exige que preste atenção aos fenômenos que, se não configuram nova onda política, podem lhe servir de alerta. Os progressistas que se opõem ao seu receituário estão ganhando todas na vizinhança. Além dos Estados Unidos, vimos Argentina, Bolívia, o plebiscito do Chile e, bem antes, o México. É para pensar.

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Desde que se aproximou do Centrão, Bolsonaro tem alternado radicalismo e moderação. Das disputas municipais saem fortalecidos o PSD, o MDB e o PP, segundo as previsões para a votação no domingo. A colheita eleitoral desses partidos dará a dimensão precisa da transformação que Bolsonaro precisa realizar, se quiser se manter no poder. *COLUNISTA DO ‘ESTADÃO’ E ANALISTA DE ASSUNTOS POLÍTICOS

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