''Censura é um chamado para a cidadania'', diz CPJ

Entidade internacional, com sede nos Estados Unidos, é a 7ª a condenar a liminar que silenciou o ?Estado?

Por Roberto Almeida
Atualização:

O Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ), entidade global em defesa do jornalismo e da liberdade de expressão, com sede em Nova York, nos Estados Unidos, tornou-se a 7ª organização internacional a condenar a censura ao Estado. Seu coordenador para a América Latina, Carlos Lauria, aposta em uma resposta da sociedade para o "absurdo" da situação. "A censura é um importante chamado para a cidadania." Lauria conhece bem a situação da imprensa brasileira. Seus relatórios anuais são um termômetro da liberdade de expressão e de ataques a jornalistas no País. "São questões muito sérias porque afetam diretamente os brasileiros, não apenas os jornalistas, mas os cidadãos que deixam de conhecer informações importantes sobre a veracidade dos casos", anota o coordenador do CPJ. O Estado foi proibido, no dia 30 de julho, de divulgar informações referentes à Operação Faktor, conhecida como Boi Barrica, da Polícia Federal. Seu conteúdo traz diálogos entre Fernando Sarney e seu pai, o presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP), sobre loteamento de cargos no Senado por meio de atos secretos. "São acusações sérias sobre corrupção contra importantes figuras do Senado brasileiro. Este caso de censura evidentemente vai contra os princípios básicos da democracia, de debates de temas de interesse público", afirma Lauria. "Quem precisa saber o que está acontecendo é quem votou - a favor ou contra os políticos. Quando há uma decisão que diz que não se pode mais publicar, deve-se criar uma sensação de indignação", explica. A liminar que censurou o Estado foi concedida pelo desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Ele é amigo íntimo da família Sarney, como comprova foto do casamento de Mayanna Maia, filha de Agaciel Maia, ex-diretor-geral do Senado. Vieira, Sarney e Agaciel foram registrados no luxuoso evento, lado a lado. O coordenador do CPJ acredita que a população precisa entender que, com a censura, seus direitos mais básicos foram violados. "Receber informação é um direito da sociedade, garantido na Constituição. É um direito humano básico. Para a qualidade da democracia, é importante que haja liberdade de expressão avançada, sem medo, sem temor", alerta. "É um assunto muito delicado (a investigação sobre Fernando Sarney), e os cidadãos brasileiros precisam saber. É claramente um tema de interesse público, claramente um tema em que o Estado e os meios brasileiros devem investigar até as últimas consequências", avisa. O Estado pediu o afastamento do desembargador Vieira do caso no último dia 6, mas até o momento não houve resposta da corte, que tem até o dia 16 para emitir um parecer. É o próprio Vieira que irá julgar o recurso. Seu afastamento, chamado de exceção de suspeição, tem como base o laço entre Vieira e o clã Sarney. "Esperamos que o recurso, na corte que deve decidir sobre o tema, reverta o caso. É uma decisão absurda, que vai contra os princípios básicos da liberdade de expressão. Não tem discussão", diz Lauria. Segundo o coordenador do CPJ, o caso é mais um dos que reforçam o padrão de decisões judiciais contra o jornalismo brasileiro. "Meios de comunicação sempre são proibidos de cobrir casos de corrupção que envolvem funcionários públicos, políticos e empresários", afirma. VOZES Ao condenar a censura ao Estado, o CPJ une-se a seis organizações internacionais que descreveram o caso como "inacreditável". Anteontem, a Associação Mundial de Jornais (WAN) e o Fórum Mundial de Editores (WEF) enviaram carta conjunta endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ao ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, pedindo "ação". Antes, Organização dos Estados Americanos (OEA), Sociedad Interamericana de Prensa (SIP), Repórteres Sem Fronteiras, International Federation of Journalists (IFJ) e Artigo 19, entidades com representação em mais de 120 países, já haviam considerado a decisão um "retrocesso", principalmente após a queda da Lei de Imprensa. Todas concordam também que o Brasil continua com problemas com relação ao exercício da liberdade de imprensa e de expressão, além de lamentar casos de violência contra jornalistas. "Os profissionais de imprensa têm de alertar a todos que quem se beneficia do seu trabalho é a própria população", ressalta Carlos Lauria. "Os jornalistas devem fazer ainda mais, para que em casos como este, não só o Estado, mas todos os meios do Brasil e organismos de imprensa condenem todo tipo de censura", aconselha. REPERCUSSÃO Beatriz Segall Atriz "É uma vergonha nacional, principalmente depois que ficou evidenciado que foi um juiz subjugado ao Sarney. O povo precisa tomar conhecimento" Juca de Oliveira Ator "Eu acho um absurdo. Nunca podia supor que iríamos experimentar a censura mais uma vez. Do ponto de vista político é uma regressão brutal" Carla Pernambuco Chef "A mídia está aí para fazer o seu papel. É totalmente sem sentido esse cala-te boca. Como vamos ficar sabendo? Tudo deve ser mais transparente" Marco Antonio Teixeira Cientista político "A censura é um violência contra o Estado Democrático de Direito. Uma violação do direito à informação. Os dados foram obtidos dentro da legalidade"

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