Carteira assinada ainda não chegou a Japeri

Cidade dormitório do Rio, onde reinam informalidade e miséria, é um dos 61 locais com Índice de Desenvolvimento Familiar zero em trabalho

Por Marcelo Auler
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Não é difícil, nas ruas de Japeri - um dos 61 municípios com Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF) 0 no quesito trabalho - e de seu principal distrito, Engenheiro Pedreira, encontrar pessoas que há anos não sabem o que é um emprego formal, com carteira assinada e os benefícios previstos em lei. Cidade dormitório do Rio de Janeiro, com uma população de 83.278 habitantes residentes em 2001, segundo o IBGE, Japeri tinha 65.011 moradores com mais de 10 anos de idade. Destes, nada menos do que 48,4% (isto é, 31.463) naquele ano não tinham qualquer renda. Entre os com rendimentos mensais, 31,37% (10.526) contavam com no máximo um salário mínimo e outros 29,97% (10.056) recebiam até dois salários. O caso de Jaci Apolinário da Silva, de 68 anos, ilustra a precariedade do mercado de trabalho: pai de sete filhos vivos e dois falecidos, e avô de 14 netos, ele jamais teve uma carteira assinada. "Trabalhei 16 anos na fazenda, sem carteira, ganhando salário mínimo e a casa onde moro até hoje, por empréstimo. Cansei de viver junto aos peões e achei melhor ganhar esta vida", conta, sentado na passarela de pedestre sobre a linha férrea, em Queimados (município vizinho), onde vendia goiabas na sexta-feira. É assim que fatura em torno de R$ 40,00 por dia. Há apenas três meses, Jaci Silva conseguiu a aposentadoria do Funrural para trabalhadores rurais com mais de 65 anos e sem renda fixa. Para a mulher, Varlindas de Jesus Silva, também de 68 anos, obteve a aposentadoria por invalidez. Há vários anos, ela perdeu uma perna em decorrência do diabete. Assim como Jaci, nenhum dos seus filhos e netos que trabalham tem registro na carteira. Dimas Felix da Silva, japeriense de 49 anos, tem apenas o primário. Começou a trabalhar cedo - em 1976 -, com carteira assinada. Seu primeiro emprego foi como ajudante de cozinha. Ainda devidamente registrado, trabalhou no comércio até 1989. Uma úlcera no estômago o tirou de combate. Durante um ano e pouco afastou-se para o tratamento. Mas, ao tentar retornar, esbarrou no preconceito pelo tempo em que permaneceu afastado: "As ofertas do mercado exigiam dois anos de experiência. Achei que ia conseguir, pois já tinha experiência longa no comércio. Mas uma psicóloga mandou devolver minha carteira, pois estava há um ano sem trabalhar", recorda-se. Para sustentar a mulher e os dois filhos que vivem na casa erguida em um terreno da prefeitura, que invadiu, faz biscates que rendem à família entre R$ 35 e R$ 40 por dia. Também em Japeri vivem os irmãos Cristiano, de 30 anos, e Delson do Amaral Moraes, de 29. Eles são casados, respectivamente, com as irmãs Luciana, de 22 anos, e Ester dos Santos Vicente, de 20. Os dois casais e os cinco filhos moram com a mãe delas. Na casa, apenas Delson tem trabalho com carteira assinada. Em um supermercado no município vizinho de Paracambi, ele ganha salário mínimo. Cristiano, que possui carteira de trabalho desde os 17 anos, teve apenas quatro contratos registrados. Nenhum superior a sete meses corridos. No total, somam 18 meses - apenas um ano e meio, desde que fez a carteira, há 13 anos. Sobrevive basicamente de biscates que lhes rendem entre R$ 70 e R$ 80 mensais. O carioca Jorge Rogerio do Nascimento, de 43 anos, solteiro, mudou-se para Japeri depois que uma irmã foi cuidar de um sítio. Ele já fez cursos de garçom no Senac, de ascensorista e, por curto tempo, de músico na Escola Vila Lobos. Ainda assim, só consegue trabalho fazendo biscates como pedreiro ou em serviços gerais, que lhes rendem no máximo R$ 20 por dia. Quando trabalha como camelô, vai para o Rio, a 72 quilômetros dali. Na Avenida Brasil, nas noites em que há engarrafamento na saída da cidade, consegue faturar até R$ 40, vendendo bebidas para os motoristas presos no trânsito. Ele possui a carteira de trabalho desde os 16 anos - o período em que esteve assinada não supera cinco anos.

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