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Capítulo sobre polícias trava ação na segurança

Divisão de corporações civil e militar dificulta integração na prevenção e apuração de crimes e estimula rivalidade

Por Bruno Paes Manso
Atualização:

Prevenir o crime pela presença ostensiva de homens fardados nas ruas e punir a ação dos criminosos por meio de investigações eficientes. Se há um consenso entre especialistas, a Constituição de 1988, no capítulo que trata da segurança pública, falhou na tentativa de alcançar esses objetivos. A Carta Magna criou entraves para o bom desempenho das polícias justamente por dividir as tarefas de prevenção e investigação entre corporações diferentes. Segundo o artigo 144, parágrafo 4.º, cabe aos policiais civis a função de polícia judiciária. Já o parágrafo 5.º determina que os militares são os responsáveis pela polícia ostensiva e pela preservação da ordem. Ambas as forças devem atuar nos Estados. Já a Polícia Federal combate crimes de repercussão internacional ou interestadual, como tráfico de drogas e contrabando. Após 25 anos, o arranjo criado não funcionou. "O corporativismo já naquela época impediu a unificação das polícias, o que era tarefa fundamental para a segurança pública. Continua até hoje e fica difícil mudar", diz o jurista Hélio Bicudo.Quando era procurador de Justiça, em 1968, Bicudo iniciou um processo contra policiais civis que faziam parte do Esquadrão da Morte, liderados pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. Em 1969, a Polícia Militar foi criada como reserva do Exército. A violência permaneceu nas décadas seguintes, assim como a ineficácia nas investigações. Apesar de avançar em pontos isolados, a Constituição não reestruturou o quadro institucional. "A tarefa detalhada das polícias não deveria ser tema constitucional, mas um assunto tratado por uma legislação infraconstitucional. A Constituição acabou engessando e dividindo o papel das corporações de forma estanque", diz o procurador de justiça Vidal Serrano Nunes Júnior.Os resultados são sentidos no cotidiano das grandes cidades, com polícias que investigam mal e usam a violência na tentativa de controlar o crime. Dados da Secretaria de Segurança de São Paulo apontam que somente três em cada 100 inquéritos de crimes violentos resultam em prisões nos 93 distritos policias da capital. Já a PM paulista, entre 2005 e 2009, em supostos casos de resistências seguidas de morte, matou mais gente do que toda a polícia dos EUA, segundo a Ouvidoria de Polícia. Para o desembargador Antonio Carlos Malheiros, da coordenadoria de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo, a polícia acaba exercendo o papel do pai ausente, que deixa a desejar na educação do filho e exagera na violência ao tentar punir erros.As lacunas institucionais, ao mesmo tempo, abrem brechas para abusos, dos grupos de extermínio às injustiças sociais. Uma das vítimas foi Matias Vieira do Nascimento, de 20 anos, que em julho de 2012 sumiu, com o colega Caíque, em Guarulhos. Segundo testemunhas, eles foram abordados por três viaturas policiais. Longe de obter justiça, temendo represálias de outros policiais, os pais do jovem fugiram da cidade. Mais de um ano depois, sem que ninguém tenha sido punido, o pai de Matias, José Eduardo, não teve sequer direito ao luto do filho. "Ainda tenho esperança de encontrá-lo com vida."Para pobres suspeitos de praticarem crime, a situação também é cruel. Após terminar o 2.º grau, Lucas Gabriel dos Santos, de 20 anos, se preparava para cursar educação física. Jogava futebol e trabalhava como auxiliar administrativo de uma loja de departamento. Seu currículo não foi suficiente para livrá-lo da prisão quando foi acusado de participar do roubo de uma bolsa. Foi trancado por três meses em um Centro de Detenção Provisória. O pedido de habeas corpus do advogado não foi julgado e ele só saiu após o juiz concluir que a acusação de roubo era improcedente. "Nesse tempo, familiares gastavam R$ 400 por mês para levar sabonete, papel higiênico, roupas e comidas que não eram fornecidos na prisão", diz.Sistema único. Para analistas, uma das soluções seria criar um sistema único de segurança, capaz de articular as diversas corporações para atuarem de forma complementar, em uma mesma direção, ao mesmo tempo em que lidam com as especificidades de seus territórios. "Seria necessária estrutura semelhante à implantada na saúde pública, onde o SUS conseguiu articular as unidades municipais e estaduais para funcionarem em benefício de todo o sistema", diz Luiz Eduardo Soares, ex-secretário nacional de Segurança Pública. Proposta de emenda à Constituição elaborada por Soares e enviada ao Congresso prevê a desmilitarização da polícia e a exigência de que todas as polícias cumpram o ciclo completo (investigação e trabalho ostensivo). "As resistências são grandes. Pelo menos, parece que as pessoas já perceberam que o modelo está equivocado", diz Soares.

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