Calote põe em risco casa de substituto de Cunha

Dívida de campanha, de R$ 1,3 milhão, pode levar presidente interino da Câmara a perder imóvel em São Luís

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Por André Borges e Adriano Ceolin
Atualização:

O homem que virou o mundo político de cabeça para baixo ontem, ao pedir o cancelamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, corre risco de perder sua própria casa, localizada em um bairro nobre de São Luís, por ter dado o calote em uma conta de R$ 1,3 milhão de sua campanha eleitoral de 2010, quando concorreu e venceu a disputa para deputado federal.

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Waldir Maranhão (PP-MA), presidente interino da Câmara, está com quatro imóveis penhorados pelo Tribunal da Justiça do Maranhão, ou seja, prestes a irem a leilão para que a dívida seja paga. A decisão de penhora foi tomada em 11 de março pela 11.ª Vara Cível do Fórum Desembargador Sarney Costa, em São Luís. Sua casa, em região nobre da capital, poderá entrar no pacote para pagar a conta, caso os imóveis penhorados não sejam suficientes.

A vítima do calote é a Quality Gráfica e Editora, empresa pequena que cuidou das propagandas, santinhos e faixas que o deputado espalhou pela capital maranhense. Já eleito, não pagou a conta. Uma série de cobranças e tentativas de negociação foi feita, até que a empresa decidiu ir à Justiça. Passaram-se três anos, quando, perante o juiz, Maranhão e seus advogados fizeram um acordo com a gráfica.

Em 2013, ele assumiu o compromisso de quitar a conta de R$ 1,3 milhão. No acordo, pediu que os pagamentos pudessem ser feitos em 24 parcelas de R$ 60 por mês. As primeiras parcelas foram quitadas, mas poucos meses depois, Maranhão decidiu que não pagaria mais a conta.

As informações foram confirmadas pelo advogado da Quality Fabio Henrique de Jesus Franca. “A dívida tem por origem serviços gráficos de campanha de 2010. Os serviços foram contratados, mas não foram pagos, o que obrigou a empresa a cobrar o débito judicialmente”, afirmou. “Após a realização da primeira audiência foi celebrado um acordo entre as partes. Contudo, passado alguns meses, o acordo foi descumprido. Isso nos obrigou a dar seguimento no processo de execução que, atualmente, se encontra na fase de penhora de bens.”

A decisão foi tomada dois meses atrás pelo Tribunal de Justiça, para que seja pago um saldo restante de R$ 821,2 mil.

Nas declarações de bens feitas por Maranhão à Justiça Eleitoral em 2014, não constam todos esses imóveis. O deputado declarou, na ocasião, ter apenas a casa onde vive e cotas imobiliárias de dois imóveis. Em sua prestação de contas, estima que sua residência vale R$ 350 mil. O total de bens declarado, somadas as cotas imobiliárias, chega a R$ 813 mil, valor inferior à dívida que tem de pagar para a gráfica.

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Contas. Essa não é a única irregularidade na campanha de 2010 de Waldir Maranhão. O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) reprovou as contas prestadas pelo candidato naquela eleição, porque ele não conseguiu explicar a origem do dinheiro usado. Nas arrecadações de 2010, Maranhão doou para si próprio R$ 557 mil, quando o total de bens que declarava ter chegava a R$ 596 mil. Sua doação equivalia a mais de dois terços do total arrecadado, um montante de R$ 821 mil, coincidentemente o mesmo valor que, agora, ele deve para a fabricante de santinhos. Na campanha de 2014, Maranhão doaria para sua candidatura apenas R$ 10 mil.

O deputado tentou justificar de onde vinha o dinheiro, mas o TRE rejeitou as alegações. O caso, no entanto, por causa de sucessivos recursos, acabou entrando em 2015, quando ele já estava reeleito. Com isso, a perda de mandato em razão da rejeição das contas foi afastada, em razão da “perda de objeto” do processo.

Maranhão nega irregularidades nas contas e alega que, se tivesse tempo, teria explicado de onde veio o dinheiro. A reportagem procurou a assessoria do parlamentar para que ele comentasse o calote, mas não houve resposta.

Baixo clero. Maranhão é um típico um integrante do chamado baixo clero, grupo de deputados sem expressão que trabalham para conseguir cargos e emendas de qualquer governo – estadual, federal ou municipal. E é por esses motivos que ele sempre foi mais suscetível a pressões e assédios, sem se importar com cores ou ideologias partidárias. Na reta final da conquista de votos para o impeachment, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), agiu, a pedido do Palácio do Planalto, para mudar o voto do deputado – até então, ambos eram adversários.

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Acreditava-se que Maranhão se posicionaria a favor do impeachment por causa da aliança com o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Afinal, ele só chegara ao posto de primeiro-vice-presidente da Casa porque Cunha avalizara o nome dele.

O suspense se manteve ao longo de todo o fim de semana de votação do processo de afastamento da presidente. Na sexta-feira, Maranhão apareceu na lista de votos contra o impeachment. No sábado, figurou entre os que ficariam a favor. No domingo, a pedido de lideranças governistas, convocou uma entrevista coletiva para declarar seu apoio a Dilma.

Dois dias depois, porém, tomou uma decisão que ajudou Cunha a ganhar mais tempo para se defender contra o processo de perda de mandato que sofre no Conselho de Ética.

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Maranhão é investigado na Lava Jato. O doleiro Alberto Youssef o apontou como beneficiário do esquema na Petrobrás. Ele nega. Maranhão já foi do PDT, do PSB e do PTB até 2005. Depois, voltou ao PSB e, em 2007, filiou-se ao PP. Por causa da decisão que tomou para anular o impeachment, pode ser expulso de seu partido.