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Caetano volta a falar de Lula

'Votei nele pra se eleger, não votei pra se reeleger, mas é admirável o que vem acontecendo no Brasil'

Por Lauro Lisboa Garcia
Atualização:

Caetano Veloso voltou a falar de Lula e a defender a música de carnaval da Bahia, popularizada como axé, em entrevista coletiva na sexta-feira à noite, depois de seu show no 12º Festival de Verão, em Salvador. No palco, o compositor e cantor baiano homenageou os 60 anos do trio elétrico, criado por Dodô e Osmar, interpretando um de seus maiores sucessos, que fala justamente do tema em questão: “Atrás do Trio Elétrico”.

 

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Na coletiva, perguntado se o Haiti ainda é aqui (em referência a uma canção sua), Caetano respondeu que sim. “E também não”, como também diz a letra do rap que gravou com Gilberto Gil. Sobre “a relação com o presidente Lula” depois de umacerta polêmica no ano passado, o compositor baiano disse a um repórter: “Tenho pouquíssimas relações com o presidente Lula, exceto as que você tem, porque vivo no país de que ele é presidente. Votei nele pra se eleger, não votei nem pra se reeleger, mas acho que é admirável o que vem acontecendo com o Brasil, desde que Collor abriu o mercado. E aí Fernando Henrique, com um governo espetacular, a criação do real. O plano real está dando certo até hoje, porque Lula também foi esperto. Acho que se fosse Serra poderia mudar. Lula foi esperto, chamou Meirelles, botou no Banco Central, ficou uma política mais parecida com a do Chile, que foi Pinochet que implantou”, disse.

 

“Então a nossa história é complexa, não pode ficar simplificando ‘eu sou de esquerda, eu sou direita, odeio você, você me apetece’. É muito pobre, entendeu? Eu não sou pobre. Acho o seguinte: Lula é uma figura histórica, com grandeza épica, pra entrar na lista de Fernando Pessoa de ‘Mensagem’. Foi o que eu disse em Lisboa, repeti aqui, nem o embaixador de Portugal entendeu, o imbecil.” Caetano também fez comentários sobre o filme “Lula – O Filho do Brasil”, de Fábio Barreto, que assistiu na quarta-feira. “Achei os atores maravilhosos, o tema é muito bom, a fotografia é muito bonita, a direção de arte é maravilhosa. Aquele cara que faz o Lula é espetacular. Ele é tão bom que fica ali batendo na Glorinha, e todo mundo está bem. Mas o filme é mal escrito, o roteiro e os diálogos são mal escritos. O Lula que eu tenho na minha cabeça é muito maior do que aquilo, uma grande figura que poderia entrar na lista de ‘Mensagem’ de Fernando Pessoa”, reafirmou. “É assim que eu vejo Lula. Não pode ser pequeno não. Ser pequenininho não tem graça. Mas o filme é bacana, mas poderia ser mais empolgante.”

 

Caetano disse que pretende dar continuidade a seu trabalho com a Banda Cê (o guitarrista Pedro Sá, o baixista e tecladista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Calado) gravando pelo menos mais um álbum, “pra fechar uma trilogia”. “Adoro tocar com eles e os dois discos que fizemos juntos eu acho maravilhosos.”

 

Sobre o carnaval, o cantor baiano diz que não pretende fazer nada, nenhuma participação. “Quero fazer cada vez menos coisas no carnaval. É muito tumulto. Eu não gosto. Gosto de trio elétrico, mas como folião. Eu sou pipoca de nascença. Detesto cantar no trio elétrico. É uma coisa horrível pra mim, acho chato.”

 

SHOW

Primeira atração do palco principal na sexta-feira, Caetano fez uma versão reduzida de seu ótimo show “Zii e Zie”, abrindo com “A Voz do Morto”, canção que fez para Araci de Almeida gravar em 1968, em cuja letra dá um viva a Paulinho da Viola. No novo arranjo ele cita Psirico e kuduro, numa espécie de atualização tropicalista. “É uma canção sobre o samba, inclusive saudando Paulinho da Viola, que naquela época estava começando esse trabalho de reafirmação do samba carioca regional mesmo, da cidade do Rio de Janeiro, tal como ele se desenvolveu ali, como era tratado por aquele pessoal. E que é uma espécie de atitude clássica. Então numa canção assim, para a abrangência dela ficar mais parecida com o que fez ela nascer eu botei essas músicas dos grupos de pagode baiano, que são a forma mais recente do samba. E são pra mim canções espetaculares. Adoro esses grupos.”

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No fim do show Caetano tinha dito: “Sessenta anos de trio elétrico. Parabéns, Bahia. Não sei quantos anos de axé music. Parabéns, Bahia.” Na coletiva voltou a falar sobre o assunto. “O que aconteceu com a música de carnaval da Bahia, desde que Dodô e Osmar começaram com o negócio do trio elétrico, que eu me lembro desde criança, é um negócio extraordinário na história da cultura brasileira, na história do carnaval brasileiro, que é importante para a nossa nacionalidade e na história da música de carnaval” afirmou.

 

“Porque o Rio de Janeiro produzia carradas de música de carnaval e depois o negócio caiu. Você tem os sambas-enredos das escolas e não havia mais as marchinhas e os sambas de carnaval que todo mundo canta e dança até hoje. Você vai pra uma festa de carnaval no Rio, todo mundo canta “Mamãe Eu Quero”, “Ala-la-ô”, “Cidade Maravilhosa”, “Cabeleira do Zezé”, que eu odeio. Aqui não, há décadas que há uma riqueza enorme de composição, de interpretação e execução de canções de carnaval. É isso que a Bahia tem e muita gente de vários lados, seja uma voz que sai da imprensa metida a moderninha de São Paulo, seja um segmento ligado a organização de museus sérios, enfim, de todo lado vem porrada na axé music, porque ela é potente, forte, se afirma independentemente dessa caretice toda. Eu amo.”

 

No show, Caetano mesclou canções de seus álbuns mais recentes, “Zii e Zie” e “Cê” com outras mais antigas e conhecidas, como “Eu Sou Neguinha”, “Maria Bethânia”, que fez no exílio e agora tem dedicado ao teatrólogo Augusto Boal, “Irene”, “Trem das Cores”, “Não Identificado”, “Força Estranha” e “Atrás do Trio Elétrico”. O público dispersivo não prestou muita atenção às novidades. Caetano também incluiu a bonita “Água”, de Kassin, citada na letra de “Lapa”. “Todo show meu é assim. Pra quem está inteirado, ele é todo cheio de ligações internas, eu faço show assim, como se fosse um filme completo. Todos os meus shows são assim”, disse depois, na coletiva. “Agora hoje eu estava destreinado, né?”, falou, referindo-se ao fato de ter se atrapalhado em algumas entradas e esquecido da letra de pelo menos três canções. “É que aqui na Bahia me dá preguiça. Esqueci tudo.”

 

(O repórter viajou a convite do Festival de Verão)

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