Briga judicial de 38 anos rende R$ 0,36

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Por Agencia Estado
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Pode estar chegando ao fim, após 38 anos de batalha na Justiça, a história de um intrincado precatório paulista que teve origem em dívida corriqueira do Departamento de Estradas de Rodagem. Na terça-feira, o velho empreiteiro Carlos Alberto de Araújo, de 75 anos, compareceu ao cartório da 2ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo e tomou ciência de dois depósitos realizados pelo DER em favor da Conspaor Construtora Pavimentadora Ltda., da qual ele foi sócio até setembro de 1961. Os dois créditos somam a importância de exatos R$ 0,36. Metade da verba vai para o bolso de Araújo - se ele, afinal, resolver sacar o dinheiro. O empresário já fez as contas. Com R$ 0,18, pode adquirir um pãozinho francês - dependendo da padaria, é claro - e ainda sobra troco. A outra metade será repartida entre os irmãos Horácio e Nilton Ortiz, engenheiros, que permanecem sócios na empresa. Horácio vai ficar com a maior parte, R$ 0,16, porque detém 40% das ações. Nilton, que controla apenas 10% do capital, receberá R$ 0,02. "É bom não falar muito nisso porque a Receita pode vir em cima da gente", disse Araújo, em meio a uma sonora gargalhada. "Quase 40 anos depois podemos resgatar uma quantia que não paga nem o papel das guias de depósito judicial." Os pagamentos foram feitos pelo DER em 14 de novembro nos autos da ação ordinária de cobrança número 964, movida em 1963 pela empreiteira. Em 6 de dezembro, o departamento apresentou o demonstrativo dos depósitos efetuados de acordo com o artigo 33 dos Atos das Disposições Transitórias da Constituição - norma que parcelou em oito vezes os precatórios da administração pública. No dia 14 de fevereiro passado, o juiz Egberto de Almeida Penido assinou despacho de três linhas para que as partes se manifestem "acerca dos depósitos na importância de R$ 0,18 cada um, para fins de extinção". Autarquia vinculada à Secretaria dos Transportes, o DER contratou a Conspaor em setembro de 1959 para obras de melhoria, alargamento (8 metros para 12,6 metros) e pavimentação de 23 quilômetros da Rodovia Raposo Tavares, no trecho entre Assis e Maracaí. O serviço foi concluído em maio de 1961. O DER quitou o principal, durante a execução do contrato, mas a empreiteira cobrou "reajustamento" dos preços unitários contratuais - estabelecido no edital de concorrência - que não foi pago. Não houve acordo, e a Conspaor foi à Justiça pleiteando CR$ 20 milhões (em valores da época, equivalentes a algo em torno de US$ 40 mil). A ação ordinária foi julgada em 1976 e virou um precatório sete anos mais tarde, mas nem aí as divergências entre os contendores tiveram fim. O "resíduo" surgiu por conta da incidência ou não de correção monetária sobre o valor histórico. A partir de 1989, o débito foi dividido em oito parcelas anuais. Seis delas foram honradas até 1994. Restavam duas. No início de 1995, quando tomou posse para seu primeiro mandato, o governador Mário Covas decretou o bloqueio de todos os precatórios e mandou fazer revisão dos valores. Os pagamentos à Conspaor foram retomados em novembro passado, quando o DER dispôs-se a liquidar de uma só vez o antigo débito - e depositou os R$ 0,36. A Conspaor ainda existe, mas apenas no papel. Há pelo menos duas décadas foi desativada. A única pendência era o precatório do DER. O crédito da empreiteira não era lá essas coisas - o próprio Carlos Alberto de Araújo calcula que o DER deveria ter depositado algo em torno de R$ 3 mil a R$ 4 mil para cobrir a diferença. "Não importa o valor, o que revolta são as fórmulas que o Estado emprega para calcular suas dívidas", protesta. Araújo diz que os pagamentos foram feitos "sem a devida correção", resultando em insuficiência de depósito. Quando verificou pessoalmente o valor depositado pelo DER, percebeu que só pelo fato de ir à Justiça teve prejuízo - pagou R$ 6 de estacionamento. "É uma piada."

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