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'Brasil tem de restabelecer o diálogo'

Referência na mediação de conflitos políticos, americano diz que eleições não bastam para superar a atual crise no País; 'Baixa confiança entre sociedade e a classe política tem de ser reconstruída'

Por Jamil Chade
Atualização:

CORRESPONDENTE / GENEBRA - Só a convocação de eleições não será suficiente para permitir que se supere a crise no Brasil. O alerta é de William Ury, considerado referência mundial no que se refere à mediação de conflitos e crises políticas. Nos últimos anos, o americano participou de debates envolvendo Indonésia, Chechênia e Venezuela, intermediou o acordo de paz na Colômbia, atuou no Oriente Médio e, atualmente, é o mediador para o Brexit, entre europeus e britânicos.

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Em entrevista ao Estado por telefone, o americano da Universidade Harvard insiste que a sociedade brasileira terá de encontrar canais para restabelecer o diálogo entre diferentes forças sociais. Para Ury, as revelações sobre a corrupção no Brasil são fatores positivos para permitir que "uma nova síntese de País" seja criada.

Como superar a atual crise brasileira?

A Justiça precisa seguir seu caminho. Mas, nesse momento, o País está agitado e seus atores podem tomar decisões que vão lamentar no futuro. Esse é o momento de sair da sala e ir até o terraço, como eu costumo dizer. O País vive um momento de raiva e ansiedade. Mas apenas olhando com uma certa perspectiva mais ampla é que os problemas poderão ser vistos de forma mais clara.

Como o atual clima negativo pode impedir que se tenha uma perspetiva mais ampla?

Justamente esse é o desafio. Já se sabia do nível de corrupção que existia. Mas, de uma certa forma, é muito positivo que tudo isso esteja sendo revelado. Claro, essas notícias criam um estresse e a impressão de que o problema da corrupção é pior agora. Mas, no fundo, as coisas estão ficando melhores.

Um dos aspectos dessas revelações é o fato de que elas não deixam praticamente nenhum partido político de fora.

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Certamente, e é essa baixa confiança entre a sociedade e a classe política que terá de ser reconstruída. Isso precisa ser reerguido.

Com eleições?

A eleição é um instrumento. Mas não é suficiente. Não se reconstrói a confiança por si só. O que precisa ocorrer agora no Brasil é a promoção de um diálogo social, de um pacto. Esse diálogo não pode ocorrer apenas entre membros da classe política. Mas também e principalmente com os diferentes atores da sociedade. O Brasil é um país incrível, com pessoas generosas e inteligentes. Tem todos os elementos para reconstruir uma situação positiva.

E como convencer a sociedade a participar desse diálogo, se há tanta decepção e pessimismo?

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Isso é uma realidade global. Vemos isso nos EUA, onde o presidente está com sérios problemas, na Europa, com o Brexit. No caso do Brasil, a baixa estima da população ocorre porque o que estava nas sombras agora está sendo revelado. Mas o pânico é o pior dos inimigos. O País precisa respirar fundo. O diálogo é a única saída e é nesse contexto que a imprensa pode ter um papel importante de tentar orquestrar a realização desses debates.

No que consiste um debate nesse caso?

O debate que leve à construção de um País que funcione para todos. Como criar um Brasil que atenda a todos. O Brasil precisa de uma nova síntese.

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Mas como abrir canais de diálogo diante de grupos polarizados?

Uma forma de conseguir isso é a de mudar a pergunta que se faz todos os dias sobre como resolver alguns dos problemas e colocar uma outra questão: que Brasil a sociedade quer para suas crianças? Talvez nisso os pontos em comum que serão encontrados sejam muito mais claros. O Brasil vive um ferimento que foi ele mesmo quem criou e só ele mesmo pode resolver.