Brasil rural é maior do que Brasil agrícola

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Por Agencia Estado
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"O mundo rural é maior do que o agrícola." É mais do que simplesmente feijão, arroz, gado. Ultrapassa a dimensão de terra produtiva para ganhar status de moradia, não só das classes altas, mas também das de menor poder aquisitivo, que aproveitam a facilidade de transporte para residir ali. A constatação foi feita por José Francisco Graziano da Silva, professor-titular de Economia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) durante a primeira conferência de ciclo temático Por uma agricultura sustentável, na 54º reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). "A moradia degrada e polui mais do que o uso agrícola", afirma. Além de moradia, o espaço rural brasileiro atende cada vez mais o setor de lazer e serviços, com hotéis fazenda, pesque-pagues, parques de diversão temáticos, além de indústrias modernas, como a de componentes eletrônicos. E se volta muito também para usos não alimentares dos produtos agrícolas, sendo o exemplo mais conhecido o da plantação de cana-de-açúcar para a produção de álcool combustível. Coordenador do Projeto Rurbano, ou Caracterização do Novo Rural Brasileiro, Graziano apontou nesta segunda-feira sete políticas que poderiam contribuir para a sustentabilidade da agricultura brasileira, tema de sua palestra. A primeira seria uma política defensiva contra importações de produtos agrícolas subsidiados. "Não podemos continuar com as fronteiras escancaradas", diz ele. "Foi uma demagogia do Collor. É preciso uma seletividade controlada das importações." Em contrapartida, sugere como segunda estratégia uma ofensiva de exportações de produtos agrícolas. Mas não de commodities, como café e soja em grão, cujos preços vêm caindo há 30 anos. "Precisamos de uma política de agregação de valor", diz. A terceira seria um sistema de seguridade social amplo, que abrangesse a alimentação como um direito fundamental do cidadão. "Se o País não pode assegurar isso, não será desenvolvido nunca", diz. Da mesma forma que o New Deal americano, quando o presidente Roosevelt começou a política de distribuição de "food stamps", ou vale-comida, que hoje atende 20 milhões por mês nos Estados Unidos, segundo Graziano, o Brasil poderia fazer o mesmo. Resolveria o problema da fome e aumentaria a produção no campo. A quarta política define apoio à agricultura e à agroindústria familiares. "O familiar é o segmento de geração de emprego mais expressivo no campo, e, na última década, perdeu mais de um milhão de empregos. Há dez anos, havia dez postos de trabalho para cada 100 hectares. Hoje, com redução de 60%, há 4 postos pela mesma extensão de terra. Depois viria a reforma agrária, com um plano nacional definindo áreas, critérios e métodos para que fosse realizada sem conflitos. Como sexto passo, advoga um zoneamento agroecológico. "O Brasil tem parâmetros técnicos para isso", diz Graziano. O sétimo seria um reordenamento do governo. Não é possível, afirma, continuar com a dicotomia entre o ministério da Agricultura e o da Reforma Agrária, como se não fizessem parte da mesma questão. "Isso não leva à sustentabilidade."

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