Brasil estaria disposto a estabelecer diálogo com o Hamas

'Aproximação pode dar ao grupo a impressão de ganhar legitimidade internacional', disse ministro palestino

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Por Jamil Chade e da Agência Estado
Atualização:

O chanceler Celso Amorim admitiu nesta quarta-feira, 6, que o Brasil estaria disposto a estabelecer um diálogo com o grupo Hamas, alvo de um boicote dos países ocidentais, e quer participar do monitoramento de um eventual relançamento de um processo de paz no Oriente Médio. Mas recebeu um duro recado do governo da Autoridade Palestina: uma aproximação ao Hamas pode dar a impressão ao grupo considerado como terrorista de estar ganhando legitimidade internacional.

 

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O chanceler manteve em Genebra uma reunião com o ministro de Relações Exteriores da Autoridade Palestina, Riad Malki. Na pauta, a participação do Brasil no monitoramento da implementação do processo de paz na região, uma nova posição que o Itamaraty quer garantir nos próximos meses.

 

Na agenda do encontro, os ministros ainda trataram da realização de uma conferencia mundial no Brasil com a diáspora palestina e a confirmação da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva aos territórios palestinos, Israel e Jordânia na semana do dia 15 de março.

 

Malki, como já fez em abril de 2009, criticou o Quarteto (grupo que promove o processo de paz Rússia, Estados Unidos, União Europeia e ONU) e defendeu que uma conferência mais ampla seja convocada para lidar com a paz no Oriente Médio, inclusive com a participação do Brasil.

 

"Sempre sentimos que muitos países tem o direito de dar sua contribuição para o processo de paz. Se o Brasil quiser ter esse papel, devemos considerar. Isso ajudara o processo de paz", disse o palestino. "Nós sentimos que Quarteto não faz o suficiente para fazer avançar o processo de paz. Ele deveria ser aberto e permitir que novas ideias sejam injetadas. O Brasil mostrou que quer contribuir", afirmou Malki.

 

Os palestinos acusam os israelenses de estarem bloqueando a retomada do processo de paz. Mas, em um eventual relançamento, querem um grupo de países mais próximos aos interesses palestinos para monitorar o cumprimento das obrigações.

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Como na América Central

 

Amorim confirmou que o Brasil quer participar no monitoramento do processo de paz e citou o modelo da América Central nos conflitos nos anos 80 como exemplo que poderia ser seguido. Naquela ocasião, havia um grupo de moderadores. Mas o chanceler lembrou do grupo de países que apoiavam o processo e levavam ideais.

 

Para o chefe da diplomacia brasileira, a ideia é de que, em uma eventual retomada do processo de paz, o Itamaraty possa ficar encarregado em monitorar um aspecto do tratado, como fronteiras ou outro tema. Amorim também não descarta que esse monitoramento seja feito por um grupo, como Brasil, África do Sul e India. Se isso ocorresse, o grupo lançado pelo Brasil para atuar no cenário internacional poderia ter sua primeira atuação.

 

Sobre a viagem de Lula ao Oriente Médio, Amorim garante que ele não ira com "soluções mágicas". "As soluções estão lá. Já sabemos o que podemos obter como resultado. Mas a questão é como é que será a implementação do processo de paz. E não reinventar o processo", explicou Amorim, que garante que o Brasil não está buscando protagonismo.

 

Hamas

 

Amorim ainda admitiu que o governo brasileiro já manteve "contatos informais com o Hamas no passado". Mas não disse nem quando e nem quem fez o contato. Apenas indicou que estaria disposto a repetir se isso fosse ajudar o processo. "Se isso ajudar, não excluo. Acreditamos no poder da razão. Talvez seja inocente. Mas temos que conversar", disse, ao responder a uma pergunta da imprensa internacional se estaria disposto a conversar com o Hamas diretamente.

 

Mas Malki, contrário ao Hamas, foi enfático em alertar o Brasil e qualquer outro governo para que tenham "cuidado" em manter um diálogo com o Hamas. "Reconhecemos que o Hamas é uma realidade e não vai desaparecer. Mas desde que Hamas fez golpe em 2007, não deu qualquer sinal de que quer revisar suas ações. Na realidade, desintegraram o sistema político de Gaza e substituíram por seu próprio sistema de poder", disse Malki.

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"Qualquer aproximação com o Hamas hoje pode ser interpretado pelo Hamas como uma espécie de fraqueza da comunidade internacional e como um sinal de reconhecimento do sistema de facto criado em Gaza por meio da força e de um golpe. Por isso, os países devem ter cuidado", alertou.

 

Representantes do Hamas disseram ontem que queriam ter contato direto com os enviados americanos. "No momento em que o Hamas fizer parte de processo político e aderir aos princípios básicos, então não haverá portas fechadas para o Hamas, poderá falar com todos e não ha porque ter o isolamento", disse o palestino, estabelecendo as condições. "Mas enquanto estiver em controle de Gaza por força e contra a lei, isso não será bem. O julgamento sobre Hamas foi feito e cabe a eles decidir mudar", afirmou.

 

Amorim concordou com o palestino. "Claro que precisa ser parte do processo político", afirmou o chanceler, defendendo a reconciliação. "A união é fundamental para um estado estável", disse. O chanceler ainda garantiu que não se trata de manter um dialogo sigiloso. "Não queremos nenhum acordo secreto. Aceitaríamos ter o contato se isso fosse julgado como algo positivo", disse Amorim.

 

Diáspora

 

O Brasil ainda anunciou que, em cooperação com a Espanha, realizara em maio uma conferencia internacional com diáspora palestinos de todo o mundo. A ideia, segundo Malki, é a de convencer os palestinos espalhados em todos os continentes a cooperar financeiramente e investir na reconstrução das cidades nos territórios palestinos.

 

"Ha muitos de origem árabe na America Latina e queremos ver como podemos encorajá-los para ter projetos na Palestina para garantir infraestrutura para um estado".

 

Durante o encontro, outro tema levantado foi a proposta de um acordo comercial entre o Mercosul e a Autoridade Palestina. Amorim confirmou que já tratou do assunto com os demais países do bloco. Mas ainda não ha uma definição sobre como isso ocorreria.

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Israel fechou um acordo comercial com o Mercosul. Mas Malki alega que parte dos produtos estão vindo de terras que na realidade são ocupadas e que pertenceriam aos palestinos.

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