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Bolsonaro vê 'trovoada com pouca chuva' no horizonte e promete divulgar vídeo de reunião com Moro

Nuvens trazem crise política misturada à turbulência econômica, além de uma grave pandemia de coronavírus no meio do caminho

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Por Vera Rosa
Atualização:

Caro Leitor,

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O Supremo Tribunal Federal (STF) deu mais um cartão amarelo para Jair Bolsonaro. Isolado, o presidente foi obrigado a recuar e anulou a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para o comando da Polícia Federal. Nos bastidores, Bolsonaro disse que não compraria mais uma briga com o Supremo depois que o ministro Alexandre de Moraes viu“desvio de finalidade”naquela indicação

Moraes é o mesmo magistrado que investiga as manifestações do último dia 19, organizadas por apoiadores de Bolsonaro, em defesa da intervenção militar e do fechamento do Congresso e do STF. Está também sob a alçada de Moraes o inquérito das fake news para apurar ataques à Corte nas redes sociais.

Na prática, uma tempestade perfeita se forma na direção de Bolsonaro. As nuvens trazem crise política misturada à turbulência econômica, além de uma grave pandemia de coronavírus no meio do caminho. “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre”, afirmou Bolsonaro nesta terça-feira, 28, ao responder a perguntas de repórteres sobre o fato de o Brasil ter ultrapassado a China em número de mortes pela covid-19. 

Desde que o ex-juiz da Lava Jato Sérgio Moro deixou o Ministério da Justiça, no dia 24, acusando Bolsonaro de interferência política na Polícia Federal, tudo parece levar ao agravamento da sucessão de crises. Agora, o problema não é apenas “cortar o combustível do Posto Ipiranga”, como disse o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto, em entrevista à Coluna Direto da Fonte, de Sonia Racy, numa referência a Paulo Guedes, o titular da Economia que carrega esse apelido.

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O mais grave é que o próprio Bolsonaro, insuflado pela ala ideológica do governo, joga gasolina na crise. Apesar de desconfiar de tudo e de todos, espalhando até boatos para aliados, com o intuito de identificar quem “vaza” notícias no Planalto, ele não enxerga uma tempestade de grandes proporções no horizonte. Mas vê conspiração. “É muita trovoada para pouca chuva”, resumiu.

A troca na Polícia Federal foi a gota d’água para o pedido de demissão de Moro. E, de lá para cá, cada dia vivido pelo Planalto – que se aproximou do Centrão para formar uma base de sustentação no Congresso e tenta barrar eventual processo de impeachment – tem sido uma agonia. 

O delegado Ramagem, nome que havia sido escolhido para comandar a PF, está na corporação desde 2005 e era diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) até ontem. É homem da estrita confiança do presidente e amigo de seus filhos.

A aproximação com Bolsonaro começou no segundo turno da campanha presidencial, em 2018, quando ele foi escalado para coordenar a segurança do então candidato do PSL. “Passou a ser um amigo”, contou o presidente. “Tomava café junto, com leite condensado no pão”.

Se a troca de Moro por André Mendonça no Ministério da Justiça foi bem recebida no Supremo, o mesmo nunca se pôde dizer sobre a substituição de Maurício Valeixo na PF. Bolsonaro já admitiu, mais uma vez, que sempre cobrou de Moro relatórios diários de inteligência, sob o argumento de que precisa de informações para administrar o País. Disse, ainda, que a Abin lhe repassava esses dados.

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“Não é justo um presidente viver numa situação dessas. Eu não quero saber de inquérito de ninguém. Não estou sendo investigado”, disse ele. Na segunda-feira, 27, porém, o ministro do Supremo Celso de Mello autorizou abertura de inquérito para investigar denúncias feitas por Moro de que Bolsonaro tenta intervir nas apurações da PF

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Nessa guerra, mais um vídeo legendado, para gabinete do ódio nenhum botar defeito, está prestes a sair do forno. É que Bolsonaro prometeu divulgar a gravação da última reunião ministerial da qual Moro participou, no último dia 22. Na ocasião, o presidente cobrou que o ex-juiz da Lava Jato se posicionasse publicamente sobre prisões, consideradas por ele como “ilegais”, de pessoas que furaram a quarentena imposta por prefeitos e governadores para evitar a propagação do novo coronavírus. O clima foi tenso.

“Nossa reunião é filmada e fica no cofre lá o chip”, comentou Bolsonaro, dizendo ter pedido autorização dos outros ministros para divulgar a cena. “Mandei legendar e vou divulgar. Tirem as conclusões de como eu converso com os ministros”.

Ao se dirigir a apoiadores que rezavam por ele na portaria do Palácio da Alvorada, na noite desta terça, 28, o presidente calibrou o discurso de campanha. “Eu sou uma das pessoas que mais apanham. Dói no coração”, reclamou Bolsonaro.

Antes de se despedir, pediu que os jornalistas se apressassem nas perguntas. “Se não a mulher me cobra aí. E eu vou dormir na casa do cachorro”, afirmou ele, rindo. Ainda ontem, no mesmo dia em que o Brasil ultrapassou a China em número de mortos pela covid-19 – foram 5.017, enquanto os chineses registraram 4.637 – a Secretaria de Comunicação da Presidência postou mensagem sobre  “números amplamente positivos” do combate à doença no Placar da Vida. Com um solavanco atrás do outro na República, ninguém se arrisca a prever as cenas do próximo capítulo.

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