Bolsonaro, um presidente sob cerco

Enquanto vê sua popularidade derreter, presidente apela para o clientelismo, ao ‘toma lá, da cá’ e à ‘velha política’

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Por The Economist
Atualização:

Há muitas maneiras de descrever a compra de apoio na política brasileira, incluindo “toma lá, da cá”, “troca de favores” e “velha política”. Em 2018, durante sua campanha, Jair Bolsonaro usou esses e outros insultos, muito mais rudes, para desqualificar seus colegas políticos, especialmente do PT, que governou o Brasil de 2003 a 2016 e foi marcado por dois grandes escândalos de corrupção. Como presidente, Bolsonaro prometeu avançar com sua agenda sem distribuir cargos nem emendas.

O primeiro sinal de que Bolsonaro havia desistido de sua “nova política” veio em meados de 2020, quando ele formou uma aliança com um bloco de partidos dedicados somente ao interesse próprio, conhecido como Centrão, para conseguir se proteger de pedidos de impeachment, que já somam 117 no Congresso. O apoio do Centrão nunca é gratuito. Uma recente investigação do jornal O Estado de S.Paulo mostrou que, em 2020, o governo distribuiu mais de R$ 20 bilhões por meio de emendas de relator, o parlamentar que cuida da elaboração do orçamento no Congresso. Pelo menos R$ 3 bilhões foram encaminhados por meio do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) atendendo a indicações de parlamentares para obras públicas e compras de máquinas e equipamentos agrícolas – aquisições previstas com preços, em alguns casos, acima da tabela de referência do MDR.

Esquema bilionário do governo destina R$ 3 bilhões em emendas para auxiliar base no Congresso. Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O escândalo, que a imprensa chamou de “tratoraço”, é a mais evidente prova até agora da participação de Bolsonaro na política clientelista. A situação se desdobra juntamente com um desastre de relações públicas ainda maior: uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga como o governo lidou com a pandemia. As duas crises demonstram como Bolsonaro tem se enfraquecido cada vez mais e como o Congresso, conhecido pelo oportunismo endêmico, usou essa vulnerabilidade do presidente para se fortalecer. “Quanto mais frágil o presidente, mais ele tem de pagar por esse apoio”, explica Sylvio Costa, do site de notícias Congresso em Foco.

O sistema político brasileiro, conhecido como “presidencialismo de coalizão”, é um híbrido entre o modelo presidencialista dos EUA e um parlamentarismo à moda europeia. O presidente comanda políticas públicas e determina o orçamento, mas não consegue fazer muita coisa sem o Congresso, onde seus partidos raramente detêm maioria. A maior parte dos cerca de 30 partidos brasileiros não possui plataformas ideológicas; eles apoiam o presidente em troca de favores. Isso beneficia projetos que conquistam votos, como pavimentação de estradas ou reformas de escolas, em detrimento de planejamentos a longo prazo, diz Élida Pinto, professora de finanças públicas da FGV.

Em 1994, seis parlamentares perderam os cargos como resultado de um escândalo de compra de votos envolvendo ONGs falsas. Em 2005, um deputado do Centrão admitiu que o PT pagava R$ 30 mil por mês a parlamentares em troca de apoio no Legislativo. (Cassado, ele agora é aliado de Bolsonaro.) Em 2014, a Lava Jato revelou um vasto esquema de propinas entre construtoras, partidos e a Petrobrás.

Em resposta a protestos, o Congresso aprovou uma série de emendas constitucionais destinadas a reduzir a corrupção sem incomodar os congressistas. A maioria das ementas se tornou uma dotação automática (não designada pelo presidente) para que os legisladores gastassem em seus redutos eleitorais. Era necessário seguir novas regras, como apresentar recibo. Mas essas restrições dificultaram a formação de coalizões. Quando a presidente Dilma Rousseff (PT) sofreu impeachment, em 2016, a razão técnica foi ter maquiado o déficit orçamentário do Brasil; mas isso ocorreu por causa das dificuldades dela em controlar um Congresso cada vez mais rebelde. Ela expandiu seu gabinete para 39 ministérios na tentativa de acomodar políticos com cargos, mas a recessão em 2014-16 limitou o alcance deste plano.

Pandemia. Bolsonaro está passando por algo parecido. O Brasil teve uma das piores crises de covid-19 do mundo, com mais de 450.000 mortos. Sua estratégia de minimizar a pandemia pareceu funcionar em 2020, quando um terço dos brasileiros recebeu auxílio emergencial. Mas, este ano, a segunda onda da doença coincidiu com uma alta na inflação, a lentidão na vacinação e uma redução nos benefícios oferecidos pelo governo. A aprovação de Bolsonaro caiu de 40% para menos de 30%. O presidente da Câmara, Arthur Lira, única pessoa que pode abrir um processo de impeachment, fez um alerta falando em “amargos remédios políticos”.

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Mas um impeachment é improvável, em parte porque Bolsonaro reinventou na prática a compra de apoio político no fim de 2019. A maioria dos novos recursos orçamentários foi destinada a legisladores que votaram em Rodrigo Pacheco, escolha de Lira e do Centrão para a presidência do Senado. Documentos nos sites do governo mostram o destino de apenas cerca de R$ 1 bilhão dos R$ 3 bilhões gastos pelo MDR. O relator do orçamento, Domingos Neto, destinou R$ 110 milhões a uma cidade de 59 mil habitantes da qual sua mãe é prefeita. O ministério aceitou pagar R$ 500.000 por tratores com preço regular de R$ 200.000. As autoridades insistem que não houve irregularidade.

Uma ameaça maior à popularidade de Bolsonaro é a CPI, que começou os depoimentos no Senado este mês. As sessões diárias são transmitidas ao vivo na TV, criando uma macabra história oral do desastre brasileiro na pandemia. Dois ex-ministros da Saúde disseram que a estratégia inicial do governo apostava na imunidade de rebanho e na hidroxicloroquina, remédio para a malária promovido por Donald Trump. Um executivo da Pfizer disse que o governo ignorou seis ofertas de venda de vacinas ao Brasil. O então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general que também estava no comando quando acabou o suprimento de oxigênio em Manaus, tentou fugir do depoimento alegando suspeita de estar com covid.

Bolsonaro “está se tornando prisioneiro da própria impopularidade”, diz Alessandro Molon, líder da oposição na Câmara. As pesquisas mais recentes mostram queda no apoio ao presidente em quase todos os segmentos do eleitorado, incluindo entre seus defensores mais convictos, como os evangélicos. É provável que seu principal rival nas eleições de 2022 seja Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente petista cuja popularidade aumentou recentemente. Uma pesquisa de intenção de voto indica que, caso o segundo turno fosse realizado já, 55% dos votos ficaria com ele, enquanto Bolsonaro receberia 32% (o restante do eleitorado disse que não votaria em nenhum dos dois). Quando os brasileiros veem europeus e americanos sendo vacinados, percebem que “nosso presidente é uma caricatura”, diz Ciro Gomes, que também quer se candidatar.

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Bolsonaro pode se recuperar antes da eleição. A vacinação está avançando, enfim, e a economia apresenta desempenho melhor do que se temia. O ministro da Economia, Paulo Guedes, insistiu para que o Congresso aprove as reformas tributária e administrativa. Ele diz que, com, isso, recursos seriam liberados para uso em programas que rendem votos. Mas os legisladores também querem sua parte. “O Centrão não é leal”, alerta Rebeca Lucena, da consultoria BMJ. “Se o navio estiver afundando, eles vão mudar de barco.” 

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