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Bolsa-Família enfraquece o MST

Na periferia das cidades e nas zonas rurais é cada vez menor o número de candidatos a invasões de fazendas

Por Roldão Arruda
Atualização:

O Bolsa-Família - o mais ambicioso programa social do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, com 11 milhões de famílias assistidas - está enfraquecendo a base do Movimento dos Sem-Terra (MST). Na periferia pobre das grandes cidades e nas zonas rurais mais miseráveis, onde a organização sempre arregimentou pessoas, é cada vez menor o número de candidatos a invasões de fazendas. A mudança obriga o MST a empregar táticas diferentes. O "abril vermelho" deste ano mostrou que aumentam as ações nas cidades, ao mesmo tempo que diminuem as invasões de propriedades rurais. De acordo com o site do MST na internet, o número de invasões neste mês chega a 46. Em 2004, quando foi cunhada a expressão "abril vermelho", foram 103 invasões. Por outro lado, neste ano o MST bateu um recorde de invasões paralelas: foram 35, em 16 Estados. A lista inclui bloqueio de rodovias, invasão de instalações do Incra e de secretarias estaduais da Fazenda, acampamentos diante de agências da Caixa Econômica e do Banco do Brasil. Empresas privadas também foram visadas, como ocorreu no caso da mineradora Vale, no Pará. Diante da dificuldade para arregimentar os pobres na periferia das cidades, essas ações são realizadas sobretudo por militantes dos assentamentos já existentes. A linha de frente é ocupada por jovens - filhos de assentados. A direção nacional do movimento já reconhece abertamente a dificuldade. "Não há como negar que nossa capacidade de mobilização tem sido prejudicada por esse programa", diz José Batista de Oliveira, do grupo de coordenadores nacionais do MST, referindo-se ao Bolsa-Família. "É uma ação paliativa e humanitária. Mas não altera estruturalmente as perspectivas de inserção econômica e social e gera acomodamento." O enfraquecimento está se acentuando ano a ano - desde que o Bolsa-Família começou a deslanchar, em 2004. Um indicador disso é o número de novos acampamentos de sem-terra, que costumam surgir no rastro das ações do MST, para pressionar o governo a desapropriar ou comprar propriedades para a reforma agrária. De acordo com pesquisa divulgada há poucos dias pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2002, último ano do governo Fernando Henrique Cardoso, foram erguidos 64 acampamentos no País. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o número saltou para 285. No ano seguinte, porém, caiu quase pela metade; e no ano passado ficou na marca de 48. O pior para o MST é que os acampamentos existentes estão se esvaziando. No interior de São Paulo, a coordenação regional do movimento reconhece que perdeu 60% dos acampados desde o início do governo Lula. No Mato Grosso do Sul, às margens de rodovias, é notável o número de acampamentos fantasmas. Apesar dessas dificuldades, o MST continua insistindo que o exército de sem-terra em seus acampamentos gira em torno de 150 mil famílias, ou quase meio milhão de pessoas - o mesmo número que teria sido constatado no início do governo Lula. "Esse conjunto de famílias mostra que o País necessita de uma reforma agrária que seja estruturante e duradoura do ponto de visto econômico", diz Oliveira. "Não bastam ações sociais limitadas, em termos de recursos e até de sustentabilidade. Afinal, ninguém garante que esse programa vá continuar em outro governo", continua ele, referindo-se novamente ao Bolsa Família. QUEDA O número anual de imóveis rurais invadidos continua num patamar elevado, na comparação com os últimos anos do governo FHC. Mas também dá sinais de declínio: o total de invasões, que chegou a quase 500 em 2004, baixou para 364 no ano passado, conforme o setor de documentação da CPT - única organização do País que divulga regularmente levantamentos sobre conflitos no campo. No governo, a Ouvidoria Agrária, instituição do Ministério do Desenvolvimento Agrário responsável pela mediação de conflitos, só divulga estatísticas esporadamente - em surtos. A dificuldade para arregimentar pessoas é mais sentida na linha de frente, entre os militantes que percorrem as periferias das cidades fazendo reuniões para convencer as pessoas a realizarem ações em defesa da reforma agrária. "Estamos brigando contra políticas assistencialistas que não geram emprego", diz Ezequias Dias da Silva, coordenador do MST em Roraima. "Aqui tem o Bolsa-Família, o Vale-Gás, o Vale-Alimentações e outras coisas que matam a fome das pessoas, mas também causam acomodamento." Filho de assentados no Estado de Pernambuco, Silva foi despachado para Roraima há um ano e meio com a missão de incentivar a luta pela reforma naquele Estado. Ele mantém o ânimo dos primeiros meses, mas é franco quanto à realidade que enfrenta: "O público da reforma agrária é a população pobre da cidade. Sempre foi. Mas agora essa população não quer ir mais para o campo, enfrentar as dificuldades dos acampamentos. De maneira geral ocorreu um esvaziamento nos movimentos de massa." Olhando um pouco mais além, ele também detecta problemas até nos assentamentos: "Por falta de assistência, eles também estão esvaziando. A maior parte dos jovens vai embora para as cidades. Os assentamentos da reforma agrária estão envelhecendo."

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