Bolsa-Família e 2º turno

Quanto maior o peso do Bolsa-Família no município, maior a votação de Dilma Rousseff (PT). Para José Serra (PSDB), a correlação é rigorosamente oposta: mais famílias atendidas na cidade, menos votos para o tucano. Já para Marina Silva (PV), a regra não fez diferença.

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Por Análise: José Roberto de Toledo e de O Estado de S.Paulo
Atualização:

 

É o que se descobre ao se correlacionar a votação dos candidatos a presidente no primeiro turno com a proporção da famílias atendidas pelo programa federal de transferência de renda nos mesmos municípios.

 

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Essa correlação positiva para Dilma tem implicações importantes para o segundo turno. A petista tem uma espécie de paraquedas eleitoral que lhe garante um patamar mínimo de votos, especialmente nas regiões onde o programa é mais importante para a economia local.

 

Em cerca de metade dos municípios brasileiros, o Bolsa-Família atende pelo menos um terço das famílias, segundo dados do governo federal obtidos pelo repórter Daniel Bramatti.

 

Na soma desses municípios, Dilma obteve, no primeiro turno, nada menos do que dois terços dos votos válidos. Serra ficou com apenas 24%, e Marina, com 10%. Em 9 de cada 10 dessas cidades, Dilma teve mais de 50% dos votos válidos e seria eleita já no primeiro turno.

 

Para sorte de Serra, essas cidades têm um alto porcentual de atendimento pelo Bolsa-Família porque suas populações não são muito grandes. Assim, esses 2.623 municípios somaram pouco menos de um quarto dos votos válidos para presidente no primeiro turno.

 

Se estendermos a análise para todo o País, veremos que a petista venceu o tucano em três quartos dos municípios brasileiros. Neles, o programa federal atende em média 40% das famílias. Já nas outras cidades onde ele teve mais votos do que ela, a média de atendimento é metade disso.

 

Mas seria um erro achar que Dilma só tem votos onde o Bolsa-Família é forte. Ela é mais forte nessas cidades, mas seu eleitorado não é pequeno nas cidades onde o programa de transferência de renda é menos influente.

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As 538 cidades onde menos de 10% das famílias são atendidas por bolsas federais responderam por pouco menos de um terço dos votos válidos no primeiro turno. Nelas, Serra bateu Dilma, mas por uma margem apertada; 12,4 milhões de votos, contra 12,1 milhões da petista.

 

Fazem parte desse grupo os maiores municípios brasileiros fora do Norte e Nordeste do País. E é neles que deve ser travada a batalha do segundo turno. Marina teve 7,7 milhões de votos nessas cidades. E são esses seus eleitores que decidirão quem será o próximo presidente.

 

Para entender os gráficos. A correlação entre o porcentual de votos válidos de Dilma com o porcentual de alcance do Bolsa-Família é muito forte: 0,749. O coeficiente de correlação varia de -1 a +1, quanto mais próximo das pontas, mais forte a correlação.

 

Uma correlação positiva significa que as duas variáveis se movem na mesma direção: se uma sobe, a outra sobe junto. Ou seja, quanto mais pessoas recebendo bolsa, mais cresce o voto na petista.

 

A correlação não permite, porém, estabelecer uma relação de causa e efeito. Estatisticamente, não podemos dizer que é o Bolsa-Família que faz aumentar o voto em Dilma ou vice-versa. Sempre pode haver uma terceira variável, não analisada, que seja a responsável pelas variações.

 

Há uma correlação negativa entre o voto em Serra e o alcance do programa. O coeficiente é forte: -0,678. Ou seja, quanto maior o atendimento pelas bolsas federais, menor o porcentual de votos válidos de Serra.

 

Mais uma vez, não se pode dizer que uma coisa provoca a outra. Pode ser, por exemplo, que o tucano vá naturalmente melhor entre os mais ricos, que não precisam do Bolsa-Família, e por isso a correlação seja negativa.

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Finalmente, não há correlação, nem negativa nem positiva, entre o voto em Marina e o Bolsa-Família. O que só reforça a ideia de que há outros fatores, não econômicos, que explicam esse voto, sejam eles morais ou relacionados à escolaridade do eleitor.

 

Nos gráficos abaixo, cada ponto representa um município. O posicionamento é dado pelo cruzamento do porcentual de alcance do Bolsa-Família (eixo horizontal) com o porcentual de votos válidos de cada candidato (eixo vertical).

 

Quando há uma correlação forte, os pontos tendem a se agrupar em torno de uma linha de tendência. Os municípios mais próximos da linha apresentam uma correlação mais forte. Formam uma mancha, que é a representação da regra. Os pontos perdidos longe da linha são a exceção.

 

Exemplo de município que segue a regra: Ouro Branco (AL) tem 77% de alcance do Bolsa-Família e deu 79% dos votos válidos para Dilma. Município que foge à regra é Roteiro, também em Alagoas, onde as bolsas atendem 77% das famílias e Dilma só teve 37% dos votos válidos.

 

É JORNALISTA ESPECIALIZADO EM PESQUISAS

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