BRASÍLIA – A nota assinada pelo presidente Jair Bolsonaro em coautoria com o vice, Hamilton Mourão, e o ministro da Defesa, Fernando Azevedo, divulgada na noite de sexta-feira, 12, foi interpretada por integrantes do Legislativo e do Judiciário como um recado de que não eles irão aceitar uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) contrária à chapa. Na nota, os três avisam que as Forças Armadas “não cumprem ordens absurdas” nem “aceitam julgamentos políticos”.
Ao todo, tramitam no TSE oito ações que investigam a campanha de Bolsonaro e Mourão. As mais delicadas são as que tratam do disparo de mensagens em massa pelo WhatsApp para atrair eleitores, o que é ilegal.
O recado de Bolsonaro foi dado horas depois de o relator dos processos, ministro Og Fernandes, anunciar que vai incorporar provas colhidas no inquérito das fake news que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes. As investigações do Supremo estão adiantadas e miram apoiadores do presidente que teriam patrocinado os disparos em massa, entre eles o empresário Luciano Hang, dono da Havan, para atacar adversários de Bolsonaro antes de depois da eleição de 2018.
É o que justifica, segundo um ministro do Supremo, um dirigente do Congresso e três generais ouvidos pelo Estadão, a assinatura de Mourão como coautor. O endosso do ministro da Defesa provocou críticas entre generais. Oficiais ouvidos pelo Estadão interpretaram a nota como mais uma “ameaça velada” de Bolsonaro usando Exército, Marinha e Aeronáutica como se fossem instrumentos ao alcance de suas mãos. E a assinatura do general Fernando Azevedo no documento acaba dando a impressão de que as Forças Armadas estariam ao lado do presidente para qualquer aventura.
O entendimento de militares é que notas como essa interessam apenas ao presidente, que insiste nesse constante clima de tensão e enfrentamento para manter a sua militância ativa e aguerrida.
Nesse sentido, causa cada vez mais incômodo entre oficiais a presença de militares da ativa em postos políticos de ministros no governo, como é o caso dos generais Luiz Ramos, na Secretaria de Governo e Eduardo Pazuello, na Saúde. A avaliação é que isso permite uma interpretação errada de que as Forças Armadas apoiam os atos do governo. A defesa é para que, ao assumirem esses postos, eles deixem de ser militares da ativa e passem para a reserva.
Um oficial-general disse ao Estadão que as Forças Armadas não devem e não são fiadoras de posturas pessoais, ideológicas e de governo.
O texto conjunto foi elaborado na noite de sexta, 13, após o ministro Luiz Fux conceder uma decisão provisória delimitando a interpretação do artigo 142 da Constituição, que regula o emprego dos militares.
Na decisão liminar, Fux ressalta que a Constituição não permite ao presidente da República recorrer às Forças Armadas contra o Congresso e o STF. Ele também afirmou que não concede aos militares a atribuição de moderadores de eventuais conflitos entre os Três Poderes.
“Qualquer dos 3 poderes pode requerer as Forças Armadas na defesa da Constituição e da ordem. Nada a ver com tutela, moderação ou intervenção militar. Os 3 poderes são independentes e harmônicos, regulados pela Constituição. E só”, tuitou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Para os militares, uma completa “histeria” tomou conta do País e, a todo momento, políticos de todos os segmentos discutem “teses absurdas de golpe”, embora as Forças Armadas, segundo eles, estejam alheias a essas discussões.
Na visão dos militares, no entanto, o cabo de guerra não é puxado apenas por Bolsonaro, mas também tem participação do Judiciário.
No início do mês, o decano Celso de Mello, do STF, comparou a situação política atual do Brasil à da Alemanha nazista e disse que a intervenção militar pretendida por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro significa a instauração de uma “ditadura militar” no País.