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Barroso diz que intervenção federal não resolverá problema da criminalidade no Rio

Para ministro do STF, solução é 'social e de reconquista de espaços que foram perdidos'

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Por Fabio Grellet
Atualização:

RIO - Para o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, a criminalidade no Rio de Janeiro não será resolvida com uma intervenção federal, mas com ações sociais. “Se alguém achar que a solução para o problema da criminalidade no Rio é militar, está completamente enganado. A solução é social e de reconquista de espaços que foram perdidos”, afirmou, em entrevista concedida à jornalista Miriam Leitão, exibida na noite desta quinta-feira (22) pelo programa “Miriam Leitão Entrevista”, no canal pago Globonews. Barroso defendeu a descriminalização da maconha e disse que no Brasil o principal problema ligado às drogas não é o usuário, mas o poder que o tráfico exerce sobre os moradores das favelas. ++ Interventor anunciará general da ativa para a Secretaria de Segurança do Rio “O problema do Rio não se enfrenta com uma bala de prata”, afirmou o ministro do STF. “Você precisa de inteligência, planejamento e ocupação social dos espaços que o Estado perdeu. Portanto, se alguém imaginar que uma intervenção de três, seis ou nove meses pode resolver o problema do Rio, está totalmente enganado. O problema do Rio tem que ser um programa patriótico e suprapartidário de enfrentamento do que hoje é o total descontrole na segurança pública”, continuou. “Parte da sociedade se sente marginalizada a ponto de não ter nenhuma perspectiva de acesso a esse mundo de consumo e civilização em que nós vivemos. E quando você não tem perspectiva de acesso, não tem interlocução, a violência é muitas vezes a sua forma de comunicação. Acho que isso foi em grande medida o que aconteceu no Rio”, avaliou. “É preciso enfrentar a criminalidade, mas é preciso fazer um papel de resgate social com educação, saúde, serviços mínimos nessas comunidades que são dominadas pelo tráfico.”

Para Barroso, intervenção no Rio não resolverá problemas de segurança enfrentados pelo Estado Foto: Wilton Junior|Estadão

Para Barroso, uma intervenção militar só deve ser usada como medida emergencial. “Os militares não são formados para isso (segurança pública) e eles não gostam desse papel. Esse é um papel que só deve ser desempenhado emergencialmente. Se alguém achar que a solução para o problema da criminalidade no Rio é militar, está completamente enganado. A solução é social e de reconquista de espaços que foram perdidos”, completou. ++ Interventor pegará sistema prisional degradado O ministro do STF considera que o Rio de Janeiro “é a prova cabal do fiasco da política de drogas no Brasil”. “No hemisfério norte a grande preocupação é o usuário, e não me é indiferente a sorte de um menino da zona sul vítima de uma overdose de cocaína. Mas o grande problema brasileiro não é o usuário, é o poder que o tráfico exerce sobre as comunidades pobres do Rio, onde ele se tornou o poder político e o poder econômico e impede as famílias honestas de criar seus filhos numa cultura de honestidade, porque eles são cooptados pelo tráfico e sofrem a violência do tráfico ou a competição totalmente desleal do tráfico. Então esta é uma guerra perdida”, considerou. “O papel do Estado é combater as drogas e tratar os dependentes, mas esta forma que nós temos utilizado não serve. O que se tem é a prisão de meninos de 18 e 19 anos com pequenas quantidades (de drogas), destrói a vida deles, eles são substituídos pelo tráfico no dia seguinte, a vaga deles (na cadeia) custa dinheiro e não produz nenhum impacto (positivo) sobre a realidade”, disse. Barroso disse ser favorável à liberação da maconha, “com planejamento, tal como o cigarro, e se der certo passar para cima (para outras drogas)”. Prisão em segunda instância. Barroso criticou a possibilidade de reversão da prisão de réus condenados em segunda instância, tema que pode voltar a ser debatido pelo STF. “Essa discussão vai se colocar em algum momento e vai ser entre muito ruim e trágico se o Supremo reverter essa posição. Quando se passou a permitir a execução (das penas) depois da condenação em segundo grau, pela primeira vez a imensa quantidade de ricos delinquentes que há no Brasil começou a evitar cometer crimes e a colaborar com a Justiça para minimizar suas penas. Foi a coisa mais importante que aconteceu no Brasil para se punir a criminalidade do colarinho branco. Porque pobre é preso antes da sentença de primeiro grau. É preso em flagrante e não sai mais”, analisou. O ministro afirmou que, conforme uma pesquisa feita a seu pedido no Superior Tribunal de Justiça, um dos órgãos que recebe recursos após decisão em segunda instância, o órgão só absolve em 0,62% dos casos. Por isso, segundo ele, não há razão para aguardar recursos “que podem demorar uma década” sem começar a cumprir a pena. “Você tem uma elite extrativista no Brasil que criou um país só para si. Nós precisamos criar um país honesto para todo mundo. Você pode ter um projeto liberal, conservador ou progressista de poder. Agora, não pode ter um projeto desonesto de poder, e esta é a circunstância brasileira”, continuou Barroso. Questionado sobre os esclarecimentos que recebeu do diretor-geral da Polícia Federal, Fernando Segovia, sobre declarações de que uma investigação contra o presidente Michel Temer (MDB) tende a ser arquivada, Barroso não se estendeu e repetiu que Segovia afirmou ter sido mal interpretado e se comprometeu a não se manifestar novamente sobre o tema.  O ministro comentou ainda a decisão que tomou na última segunda-feira (19), quando determinou a transferência de duas travestis que cumpriam pena em celas masculinas, em Presidente Prudente (SP), para um presídio feminino. “Isso me pareceu tão natural e óbvio. Colocar uma pessoa que se percebe como mulher em um cárcere cheio de homens, onde ela está sujeita a todo tipo de violência física e moral, eu acho tão absurdo, que fiquei até surpreso com a repercussão. A transexualidade não é opção, é um fato da vida. Ter preconceito contra transexual é igual ter preconceito contra judeu, negro ou latino-americano, é ter preconceito por uma condição inata. É inaceitável”, afirmou.

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