PUBLICIDADE

Autismo infantil: novo olhar para um velho problema

Por Leonardo Posternak

Por Agencia Estado
Atualização:

A psicanalista Marie-Christine Laznik, que trabalha em Paris com crianças autistas, virá a São Paulo no dia 28 de novembro, onde ministrará palestras, trabalhará com grupos de pediatras e mostrará filmes sobre o tema: "Prevenção precoce em crianças com risco de evolução autistica". A enorme experiência da mencionada profissional no trabalho com as crianças autistas e suas famílias a fez refletir na possibilidade de diagnosticar o risco, antes que o quadro fique instaurado e cristalizado. A síndrome autística pode ser considerada como a conseqüência de uma falha no estabelecimento do vínculo pais/filho, o que não permite que este último surja como sujeito. Pode ser considerada como sendo a tradução clínica da não formação de algumas estruturas psíquicas que ao estarem ausentes desencadeiam déficities variados, sendo o cognitivo um dos mais freqüentes. Se o déficit se torna irreversível, leva a criança a um quadro de deficiência mental. Fica claro então que a mesma seria conseqüência e não a causa da não instauração do psiquismo normal. A síndrome é multifatorial, podendo-se falar de uma certa vulnerabilidade genética da criança, de uma relação mãe/bebê deficitária ou um meio/ambiente inadequado, entre outras. Pensamos que o debate entre as teorias que defendem a causa psíquica ou orgânica é totalmente estéril. O único ponto em que se pode intervir é o do registro propriamente psíquico. O dialogo é indispensável entre psicanalistas e pediatras Nesta próxima década, diálogo é a palavra-chave. A visão interdisciplinar faz com que um objeto de estudo seja visto e pensado por vários profissionais, aumentando a abrangência do olhar, que se converte assim em algo mais integrador. A própria Laznik comenta que até surgir esta nova possibilidade de diagnóstico precoce das crianças com risco de autismo elas lhe eram encaminhadas em torno dos dois ou três anos. Ela acrescenta que foi seu interesse pelas coisas que aparecem muito precocemente no aparelho psíquico infantil que foi naturalmente induzindo-a a procurar o diálogo com médicos de crianças (pediatras). Ela consagra, há vários anos, uma boa parcela de seu tempo no trabalho de formação de pediatras para a detecção de problemas psico-emocionais graves que podem aparecer nos primeiros meses do bebê. Com eles discute os modos possíveis de diagnóstico e as abordagens terapêuticas. O pediatra tem, assim, a oportunidade de enriquecer sua tarefa, já que além de cuidar da alimentação, vacinas, crescimento e tratar das doenças infantis, poderá olhar para a formação do laço entre pais e filhos de maneira preventiva ou terapeuticamente. Winnicott, eminente pediatra e psicanalista inglês, já nos mostrava há muito tempo de forma paradoxal e espirituosa: ?o papel essencial do pediatra é de prevenir as doenças mentais, .... se ao menos ele o soubesse?. Os 3 pilares do método O método se apoia em pilares muito firmes: 1º) Interdisciplina, 2º) Prevenção e 3º Incorporação do pediatra. É simples, feito durante uma consulta tipicamente pediátrica, entre o 2º e o 4º mês de vida da criança, com a diferença que o olhar treinado do médico o faz perceber sintomas até agora não percebidos por ele. Por questões éticas, e para evitar que leigos, médicos não treinados, ou até as próprias mães angustiadas, façam diagnósticos apressados, falsos e assim muito perigosos, não falaremos dos sintomas procurados. A proposta não é transformar o pediatra em psicoterapeuta infantil ou familiar, mas dar à consulta de puericultura uma outra dimensão, mais totalizadora e global da criança e sua família. Pensamos que estas atividades científicas a serem feitas no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) nos dias 28, 29 e 30 de novembro deste ano possam ser as sementes de um curso regular para pediatras sobre a prevenção precoce no vínculo pais/bebê, com ênfase no risco de evolução autística, sem deixar de lado a depressão essencial do bebê, os distúrbios psicossomáticos (sono, alimentação) e os transtornos de conduta infantil (agitação, apatia, etc.) a ser realizado durante o ano de 2002. O curso será teórico/prático, discutindo alguns conceitos indispensáveis da psicanálise como os de pulsão, constituição de objeto, auto-imagem, percepção do outro (parceiro), vínculo mãe/filho ou pais/filho, constituição do aparelho psíquico. Serão feitos supervisões clínicas durante o ano, sobre as redes de trabalho e funcionamento das equipes. Para finalizar queremos dimensionar que nós pediatras estamos frente a uma nova tarefa, além das prioritárias e primordiais que já temos. As novas fronteiras vão muito além, já que nos abrem a possibilidade de intervir no vínculo pais/filho precocemente e por isso preventivamente. Atingindo um alto nível de integração, podemos perceber que criança, família e pediatra formam um sistema complexo em influências simultâneas que o terão em múltiplas direções e que nos possibilita saber que famílias, cujo funcionamento psicológico e doentio - por carências ou desconhecimento, etc., apresentam enormes possibilidades de que os filhos também adoeçam. Este é o desafio do novo milênio!

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.