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Atração fatal

Por Dora Kramer
Atualização:

É raro ouvir o presidente Luiz Inácio da Silva falando bem de alguém que não seja ele mesmo. Em geral, a sua toada é a do ataque. Fruto, provavelmente, de uma vida dedicada à superação de dificuldades: primeiro as da pobreza e depois as de político forjado na oposição. Estranhamente freqüentes, porém, têm sido as ocasiões em que o presidente da República toma a iniciativa de defender pessoas, episódios ou causas condenadas pelos fatos ou pela opinião do público. Não falemos nem das estripulias do PT ou de auxiliares próximos, porque nesses casos ao fim e ao cabo Lula faz um gesto de autoproteção. Questionável, mas racional. Já a vocação do presidente para advogar em prol de corruptos, abraçar a causa de transgressores assumidos e elogiar presidentes da ditadura na opinião dele injustiçados por causa de "uma ou duas ações erradas" é totalmente fora de propósito. O que de início parecia gafe, falta de informação ou mera ligeireza verbal já começa a se configurar uma atração pelos maus costumes, éticos ou institucionais. Por exemplo: não havia nenhuma razão lógica para o presidente Lula defender com veemência em cerimônia pública o direito do governador do Ceará de levar a família a passear na Europa em avião fretado com dinheiro do Estado. Cid Gomes é do PSB, um partido aliado, e irmão do deputado Ciro Gomes, um integrante importante da coalizão presidencial, mas este não pode ser o motivo. O próprio Ciro, questionado a respeito, manteve a discrição conveniente ao grau de parentesco, mas não deixou de pontuar a crítica, considerando urgente a necessidade de o irmão se explicar. Já o presidente Lula preferiu emprestar-lhe solidariedade "porque não podemos permitir que um companheiro da qualidade do Cid seja mostrado em nível nacional apenas porque atendeu a um pedido da mulher para levar a mãe da mulher". É de se perguntar: o que diria o Lula líder da oposição se um presidente ou um governador da situação tirasse R$ 388 mil dos cofres públicos para fretar jatinho e saísse Europa afora levando a bordo mulher, sogra, dois secretários e respectivas senhoras? Muito provavelmente o acusaria de malversar recursos, pois se a viagem foi de negócios deveria ser feita em avião de carreira, com as passagens dos parentes pagas por recursos particulares. Será que Lula quando voltar a ser oposição aplicará à conduta dos oponentes critérios tão frouxos no exercício da tarefa de fiscalizar a situação? Se essa tolerância deve-se ao "aprendizado" de sua passagem pelo poder, francamente, Lula não captou da missa a metade. Lulodependente O PT pede ajuda ao presidente Lula para resolver as dificuldades e consertar as mancadas do partido na formação das alianças municipais, como se negociações desse tipo fossem assunto de presidente da República. São temas afetos à agenda de presidente de partido. Problemas, portanto, que caberiam a Ricardo Berzoini resolver. Mas não se vê o PT apelar para sua mediação. Donde a dificuldade de compreender a boa aceitação que tem a versão do distanciamento entre criador e criatura, se é Lula o presidente de fato do PT. Folha corrida O deputado Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical, é defendido pelo ministro do Trabalho, Carlos Lupi, presidente licenciado do PDT, partido do deputado. Lupi avaliza a idoneidade de Paulo Pereira e lembra que contra ele existe apenas uma citação em relatório da Polícia Federal sobre investigações de desvio de dinheiro oriundo de empréstimos do BNDES. "Qual é a prova? O que há de fato até agora? Alguém falou de alguém, talvez seja o deputado Paulinho", diz ele, apontando para a imprecisão da denúncia. Isso hoje. Em 2006 a Justiça Federal em São Paulo abriu processo contra "Paulinho da Força" e mais 11 pessoas por estelionato, falsidade ideológica e falsificação de documentos, sob acusação de superfaturamento de terras destinadas a projeto de reforma agrária. Antes disso, freqüentou páginas e páginas de relatórios da Controladoria-Geral da União sobre desvios de recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador durante a gestão de Francisco Dornelles como ministro do Trabalho, no governo Fernando Henrique Cardoso. Por causa dessa acusação, chamou a então ministra da CGU, Anadyr de Mendonça, de "mal-amada". Foi em 2002, durante a campanha presidencial que disputou como vice na chapa de Ciro Gomes. Pode ser tudo fruto de injustiça e quem sabe até de perseguição política, como insinua o ministro Lupi ao comparar as atuais denúncias contra Paulo Pereira às "arbitrariedades da ditadura". Mas, pelo sim, pelo não, conviria à direção do PDT dar uma conferida detalhada na, digamos, biografia do deputado, antes de lançá-lo candidato a prefeito de São Paulo.

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