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As cotas raciais e para deficientes são justas?

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Por Redação
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SIM: Antonio Carlos Moraes* O sistema de cotas, em uma sociedade democrática, deve existir para corrigir distorções históricas nos campos social, cultural e econômico. É inaceitável viver uma democracia em que seus entes sejam separados em agrupamentos humanos que, coincidentemente, são interligados em suas condições objetivas de vida onde a ausência do ensino superior é elemento comum. É coincidência que as pessoas com deficiência, dos pretos, dos índios e dos oriundos da escola básica pública sejam, em sua maioria, pobres e sem curso superior? Outro dia, alguém me perguntou: vamos transformar a universidade em uma pizza fatiada para vários setores da sociedade? Eu respondi que sim e as maiores fatias deveriam ser destinadas aos setores que mais precisam. Se é verdade que o curso superior muda a vida das pessoas, então não tenho dúvida de que tal possibilidade deve estar ao alcance do maior número de pessoas e, para corrigir as distorções históricas e colocar o Brasil nos trilhos da modernidade, as maiores fatias devem ser destinadas aos setores que mais precisam. Até agora tanto as iniciativas isoladas das universidades quanto o projeto 180/2008 da Câmara são bastante generosas com os velhos "donos das vagas". São menos de 20% e ficarão com 40% das vagas. Deficientes e estudantes de escolas públicas são mais de 80% e ficarão com apenas 60%. Na Universidade Federal do Espírito Santo, a implantação de cotas foi muito positiva. A sociedade capixaba, em pesquisa de opinião, em 2007, aprovou, com 80% das respostas positivas, o sistema. Em resposta, os primeiros cotistas apresentaram rendimento significativo. Em 40% dos cursos pelo menos uma nota 10 e nenhuma reprovação em 60% dos cursos, dentre eles medicina e direito. Enquanto o sistema era implantado de forma isolada pelas instituições havia uma sanha da soberba do direito individual sobre o projeto coletivo de cada universidade. Os "donos das vagas" e seus defensores clamam pela igualdade constitucional e se negam a pagar a dívida. A universidade sabe que igualdade se faz com distribuição de bens públicos e o acesso ao conhecimento é a sua parte no processo. *Mestre e doutor em Educação e secretário de Inclusão Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) NÃO: Bolívar Lamounier* Tenho orgulho de viver num país que repele a ideia de "raça" como critério de política pública. Sou, pois, contrário à instituição de cotas raciais ou de natureza semelhante para ingresso no ensino superior público, matéria de projeto que tramita no Senado. Se aprovado, tal projeto dará início a um processo de "racialização" da política educacional . Daí a ser estendido ao emprego no setor público, e eventualmente também no setor privado, serão poucos anos. Ou seja, o Brasil que conhecemos, de brasileiros, começará a ser retalhado em segmentos ditos "raciais". O projeto é inconstitucional, inócuo em relação a seus objetivos declarados, e imprudente. A Constituição de 1988 exprime o sentimento anti-"racialista" dos brasileiros em diversos dispositivos. O Artigo 19 diz: "É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si." O Artigo 208 dispõe que "o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um". Como proposta de política social, o que o projeto pretende é apressar a eliminação de diferenças residuais - decorrência de diferenças historicamente acumuladas entre os grupos étnicos que formaram o Brasil - no acesso ao ensino superior. É pois manifesta a inadequação entre fim e meio. Para lograr um objetivo de pequena monta, e que pode ser logrado de maneira mais eficiente através de bolsas de estudo e crédito educativo, recorre-se ao grave precedente da "racialização". Em tudo e por tudo, o projeto é imprudente. O Senado precisa ponderar seriamente se está fazendo justiça social ou dando acolhida ao ovo de serpente do ódio racial. Onde hoje há jovens que só se veem como brasileiros, cujo objetivo é melhorar de vida, ajudar a família e a comunidade, amanhã (se o malsinado projeto for aprovado) teremos "afro-brasileiros" e "brancos". Quem se responsabilizará por tamanha temeridade? Custa-me crer que o mesmo Legislativo que elaborou a Constituição venha a aprovar um texto que não trará os benefícios propalados e, seguramente, vai dividir os brasileiros em grupos "raciais". * Cientista político, diretor do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp)

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