Articular não é gerenciar uma coalizão; leia análise

‘Boa política’ no presidencialismo multipartidário depende de gerência de coalizão eficiente

PUBLICIDADE

Foto do author Carlos Pereira
Por Carlos Pereira
Atualização:

Tem havido uma grande incompreensão entre o que seria “articulação política” e “gerência de coalizão”. Acredita-se que bastaria a presença de um líder de governo habilidoso, estratégico e com bom trânsito entre os legisladores para que o governo alcançasse vitórias consistentes no Congresso. 

A nomeação do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI) para ministro da Casa Civil foi cercada de grandes expectativas de que o governo Bolsonaro finalmente passaria a ser bem-sucedido no Congresso. Mas, passados alguns meses da sua posse no ministério, o governo continua sofrendo sucessivas derrotas, especialmente no Senado. 

O presidente Jair Bolsonaro concedeu ao Ministro-Chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, mais poder sobre o Orçamento. Foto: Gabriela Biló/Estadão

PUBLICIDADE

O presidencialismo multipartidário pode até prescindir de um “bom articulador” político, mas não de um presidente que atue diretamente na gestão da sua coalizão, pois é ele que define quantos e quais partidos dela farão parte, qual a distância ideológica entre esses partidos, o grau de proporcionalidade na alocação de recursos políticos e financeiros aos aliados e, finalmente, o nível de congruência entre as preferências da sua coalizão e as do plenário do Congresso. 

Sem um presidente capaz de coordenar o jogo no Legislativo por meio de uma coalizão majoritária e sustentável, o presidencialismo multipartidário fica acéfalo. Maiorias podem até ser eventualmente formadas, mas serão cíclicas, inconsistentes e caras. É ingênuo imaginar que legisladores irão fazer autocontenção e deixar de perseguir estratégias individuais de sobrevivência sem estar sob a coordenação do CEO da coalizão, ou seja, do presidente.

No presidencialismo multipartidário, a falta de uma coalizão majoritária bem coordenada incentiva o uso da política em prol de interesses individuais, e não em prol de políticas universais. 

Para que haja “boa política” em uma sociedade complexa como a brasileira e em um sistema político extremamente consensual como o nosso é necessária gestão de qualidade na coalizão. Isso significa um presidente que a gerencie eficientemente e que não delegue essa tarefa para outros supostos “bons articuladores”.

Virtude política, portanto, requer que a coalizão governativa, sob liderança e coordenação ativa do presidente, funcione como um verdadeiro “cartel”, em que as preferências de políticas públicas são debatidas e decididas primeiro entre os membros da coalizão e só apenas depois impostas de forma disciplinada aos demais parlamentares.

Publicidade

* Professor titular FGV Ebape e colunista do ‘Estadão’

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.