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Araguaia era vigiado desde anos 60

Ex-informante do Exército fez relato sobre Osvaldão seis anos antes de descoberta ?oficial? da guerrilha na região

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Por Leonencio Nossa
Atualização:

Nos últimos 37 anos, o Exército e o PC do B mantiveram a mesma versão sobre a descoberta da Guerrilha do Araguaia, em 1972. As histórias oficiais dos dois lados do conflito no Bico do Papagaio destacam que os militares chegaram à área após os depoimentos sob tortura dos ex-guerrilheiros Tereza Cristina e Pedro Albuquerque Neto, presos em fevereiro daquele ano. É uma ferida que costuma ser reaberta com frequência. O casal, que vive em Fortaleza, nunca mais voltou à região da guerrilha. Mas é numa fazenda de 200 alqueires, em São Geraldo do Araguaia, a 20 quilômetros do Rio Araguaia, que mora um personagem da história do conflito que tem uma versão diferente sobre a descoberta do foco guerrilheiro comunista. Ex-informante do Exército e ao mesmo tempo carteiro dos guerrilheiros, o fazendeiro Clobiniano Alves, de 63 anos, relata que meses antes da prisão de Pedro e Tereza, agentes de inteligência já tinham informações bem detalhadas da guerrilha e de comandantes de destacamentos, como Osvaldo Orlando Costa, o Osvaldão, e Paulo Mendes Rodrigues, o Paulo. ''PAPAGAIO'' De uma família tradicional de barqueiros no Araguaia e no Tocantins, Clobiniano contou ao Estado, demonstrando tranquilidade, que viu Pedro retornar preso como um "papagaio" para localizar sítios ocupados pelos guerrilheiros. Antes disso, o barqueiro presenciou diversos moradores darem informações aos militares sobre os "paulistas", como os guerrilheiros eram conhecidos na região. O próprio Clobianiano diz que deu longos depoimentos ao Exército. "Eu era neutro. Fiquei do lado do Exército porque era o lado forte. Era obrigado a dizer quem era guerrilheiro. Era o meu trabalho", relata. Numa cadeira de plástico, na varanda de sua fazenda, Clobiniano relata que recebia pelo "trabalho". O serviço era forçado, segundo ele. O barqueiro levava os rádios dos guerrilheiros para consertar em Imperatriz e comprava lanternas, pilhas e pacotes de cigarros Continental. Era o responsável também pela compra, numa loja da Souza Cruz, de uma caixa de charuto por mês para os líderes da guerrilha. "Antes do rapaz (Pedro Albuquerque) aparecer preso, os militares já estavam aqui disfarçados de garimpeiro, vaqueiro, roçador e marinheiro", conta. Enquanto negociava com os guerrilheiros, Clobiniano levava no barco militares disfarçados de ajudantes. O pai do barqueiro, Manoel Cerilo Nepomuceno, o Manoel Claro, era informante das Forças Armadas na região desde o começo dos anos 1960. Ele passava informações sobre todas as pessoas que chegavam em Santa Cruz do Araguaia, cidadela na beira do rio, onde a família morava. Os primeiros informes sobre Osvaldão, ainda em 1966, não despertaram interesse do Exército. Então, Clobiniano, à época com 20 anos, passou a negociar com o guerrilheiro - chefe de um dos três destacamentos do grupo armado, localizado na beira do Rio Gameleira, afluente do Araguaia. NOVIDADES Clobiniano relata que, no final de 1971 e começo de 1972, foi chamado pelos militares para dar novas informações. "Me perguntaram se eu conhecia o Osvaldão. Eu respondi que ele era meu passageiro e era bom pagador", relata. "Eu não vendia para guerrilheiro, eu vendia para morador. O Osvaldão era um morador." Em março de 1972, militares avisaram que em poucos dias tropas do Exército cercariam Xambioá, Marabá, São Domingos, São Geraldo, Santa Cruz e Santa Isabel. Foi quando o barqueiro e dezenas de informantes do Exército ganharam licença para andar armados. Por uma disputa política regional, Clobiniano e dois irmãos foram presos por uma equipe de policiais de Xambioá. Um grupo rival do pai deles aproveitou a chegada do Exército para prender os adversários. Manoel Claro, o pai, chegou a organizar um grupo para retirar os filhos da delegacia. "Meu pai, que tinha prestado tantos serviços para as Forças Armadas, se revoltou com a nossa prisão", conta. "Ele queria nos tirar de lá na marra, mas aquilo não ia dar certo porque a cidade estava tomada de militares." Clobiniano e os irmãos foram soltos dias depois. Foi quando o barqueiro passou a trabalhar diariamente com os militares. CARTAS Antes da chegada do Exército, o barqueiro costumava transportar Osvaldão e Paulo Roberto Pereira Márques, o Amaury, de Santa Cruz para Araguatins e Imperatriz. Em Araguatins, hoje cidade do Tocantins, Osvaldão embarcava em aviões teco-teco, comuns em áreas garimpeiras. Em uma dessas viagens de barco pelas corredeiras de Santa Isabel, o guerrilheiro dava explicações até sobre fenômenos naturais. "Lembro que ele ensinou que ?machado de fogo que caía do céu? era meteorito, uma energia forte." Clobiniano lembra com nitidez das letras "bem feitas" das cartas dos guerrilheiros. "Eu levava e trazia as cartas deles", conta. "Eram cartas muito bem escritas, certinhas, diferentes das do pessoal da região", detalha. "Osvaldão era um homem muito alto e muito educado." Com o cerco militar, o barqueiro passou a fazer o transporte de soldados. Os militares andavam na sua embarcação sempre à paisana. As armas eram escondidas embaixo de sacos de açúcar e babaçu. Do tempo da guerrilha, o fazendeiro só guardou um revólver velho, que não funciona mais. "Não gosto de lembrar daquele tempo. Fiz o que era certo. Fiquei neutro. Contei tudo mesmo, porque não poderia ser diferente."

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