Aprovação de projeto esquenta polêmica entre intelectuais

Para ex-diretor da Educafro, grupo tenta desvirtuar debate sobre cotas

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Por Roldão Arruda
Atualização:

A aprovação pela Câmara do projeto de cotas de vagas em universidades federais reacendeu o debate entre intelectuais sobre a questão racial no País. Ontem, em entrevista ao Estado, o frade franciscano Antonio Leandro da Silva, doutorando em antropologia na PUC-SP e ex-diretor do Educafro (uma rede de cursos pré-vestibulares para estudantes afrodescendentes e carentes), afirmou que existe um grupo de intelectuais no País cujo principal interesse é desvirtuar o debate sobre cotas, aterrorizando a população com a ameaça de uma guerra racial. "Esses intelectuais nos perseguem. Insistem em dizer que o maior interesse dos intelectuais e organizações do movimento negro que defendem cotas é implantar um sistema birracial no País, opondo negros a brancos", afirmou. "Mas nós não falamos em raça, nem na oposição de grupos. Na verdade, o que se vê nas escolas onde o sistema de cotas já foi implantado é uma grande harmonia entre negros e brancos." Frei Leandro, como é conhecido o franciscano, identifica a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e o sociólogo Demétrio Magnoli, professor da Universidade de São Paulo (USP), como os expoentes desse grupo. Além de escrever freqüentemente sobre o tema, os dois ajudaram a articular, em 2007, um manifesto de intelectuais, contra o sistema de cotas com recorte racial - entregue ao Congresso. "Eles tentam aterrorizar a população com esse fantasma da guerra racial", afirmou o franciscano. "Na verdade, trata-se de um grupo de intelectuais de pensamento reacionário, conservador e extremamente hierárquico. Não conseguem imaginar uma mulher negra nos bancos de escolas que eles já freqüentaram e muito menos em cargos de comando." Procurada pelo Estado, a antropóloga da UFRJ não quis responder diretamente ao ex-diretor do Educafro. Mas observou que representa um grupo de intelectuais que defende um amplo e franco debate sobre essa questão - e outras que envolvem políticas públicas. "Não queremos que os cidadãos brasileiros fiquem fora do debate, como acaba de ocorrer na Câmara, que aprovou um projeto a toque de caixa, em acordo de líderes, sem que o povo possa opinar", afirmou. Yvonne foi uma das organizadoras do livro Divisões Perigosas - Políticas Raciais no Brasil Contemporâneo, lançado no ano passado pela Editora Civilização Brasileira. De acordo com suas informações, repetidas pesquisas relacionadas ao assunto indicam que a população está dividida diante da questão das cotas. "Diante disso, considero uma truculência a aprovação do projeto pela Câmara, num desses acordos de líderes - nos quais predomina o toma-lá-dá-cá", disse a antropóloga. "O povo tem direito a saber o que está acontecendo, o que estão decidindo." Ainda segundo a estudiosa da UFRJ, o fato de existirem setores da sociedade organizados apoiando as cotas não significa que seja correto o método utilizado para aprová-las: "A sociedade organizada também pode ser truculenta." Ontem, em artigo publicado pelo Estado, Magnoli havia observado que "as cotas raciais nada têm a ver com a compensação de desigualdades raciais. Elas servem exclusivamente para separar os brasileiros segundo fronteiras de raça". Foi esse artigo que levou frei Leandro a disparar suas críticas contra os opositores do projeto de cotas.

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