Após desgaste, Ideli diz que proteção não vale para ditadura

Ministra tenta contornar mal-estar causado depois de declarar ao ‘Estado’ que governo é contra proposta da Câmara de liberar papéis ultrassecretos

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Por Leonencio Nossa e BRASÍLIA
Atualização:

Arrastado para uma agenda negativa e pressionado por setores da sociedade civil, o Planalto tentou na quarta-feira, 15, reduzir o desgaste político com declaração da nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, em defesa do sigilo eterno de documentos oficiais ultrassecretos. A principal preocupação da ministra foi enfatizar que "para os documentos do período da ditadura, que neste caso específico referem-se aos direitos humanos, não será negado o acesso". O recuo do Planalto, porém, é retórico, já que, na prática, o governo insiste na manutenção do segredo indefinido de certos documentos.

 

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Ideli divulgou nota no início da noite para "esclarecer" que não era a favor do sigilo eterno. Mas, no mesmo comunicado, defende a proibição do acesso a documentos ultrassecretos em casos de ameaça à soberania nacional, à segurança nacional e às relações internacionais. Ao tirar os papéis da ditadura da restrição, Ideli tentou minimizar constrangimentos gerados à presidente Dilma Rousseff, torturada nos anos do regime militar, e que tinha se posicionado a favor da proposta que acaba com o sigilo eterno quando ministra de Lula.

 

Assessores do próprio Planalto observam, porém, que o termo direitos humanos tem sentido amplo. Os papéis da guerra do Paraguai, por exemplo, envolvem questões de fronteira, mas também conflitos contra civis.

 

A polêmica sobre o sigilo eterno começou a partir de reportagem publicada no Estado na segunda-feira, em que a ministra Ideli afirmara que o governo cederia a pedidos dos senadores José Sarney (PMDB-AP) e Fernando Collor (PTB-AL) para derrubar proposta aprovada no ano passado na Câmara que limita em 50 anos o prazo do sigilo dos documentos ultrassecretos. Trata-se de um item da chamada Lei de Acesso à Informação. Pelo texto original do Executivo, documentos classificados como ultrassecretos poderiam ter o sigilo mantido indefinidamente.

 

"É necessário deixar explícito que o governo não defende o sigilo eterno dos documentos", diz a nota. "O projeto original que o governo do ex-presidente Lula encaminhou ao Congresso é muito claro. Não há sigilo eterno. Tem apenas três assuntos: a questão da integridade de território, segurança nacional e relações internacionais, onde é possível pedir a renovação do prazo por mais 25 anos. Então, é este texto que entendemos que é necessário aprovar no Senado", afirmou a ministra ontem.

 

Ainda de acordo com Ideli, o texto defendido pelo governo é o "mais adequado" porque prevê a constituição de uma comissão que analisará os argumentos do governo para solicitar renovação do sigilo sobre documentos. Ao ser questionada se essa renovação não significa, na prática, o sigilo eterno, ela justificou: "A renovação precisa estar com argumentação forte e será votada por um comitê isento que inclusive pode negar a prorrogação para manter o documento em sigilo".

 

Desgaste. A declaração da ministra ao Estado impôs ao Planalto, que saía da crise que derrubou Antonio Palocci da Casa Civil, uma nova agenda de desgaste. A Ordem dos Advogados do Brasil, a Associação Nacional de Jornais e entidades de direitos humanos reagiram à posição do Planalto manifestada de forma explícita pela ministra.

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Segundo relatos de fontes do Planalto, Dilma foi surpreendida pela declaração de Ideli. Mas observam que as palavras da ministra coincidem, na prática, com a postura do governo de adiar o debate sobre os documentos e de ser contra as mudanças feitas na Câmara. Nos últimos três dias, Dilma e sua equipe tentaram uma saída para desfazer o mal-estar. Ideli fez uma peregrinação pelo Congresso e deu uma série de entrevistas para tentar diminuir o desgaste.

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