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Após auditoria da CGU, Saúde decide cancelar contrato na mira da CPI da Covid

Ministro da CGU, Wagner Rosario procurou desqualificar trabalho da CPI e criticou servidor público que denunciou ilegalidade na compra da Covaxin 

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Por Julia Affonso
Atualização:

BRASÍLIA - O governo federal anunciou nesta quinta-feira, 29, que o  contrato de compra da vacina indiana Covaxin será cancelado. Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a decisão foi tomada após a Controladoria-Geral da União (CGU) analisar o processo de aquisição de 20 milhões de doses por R$ 1,6 bilhão.

As suspeitas de ilegalidades envolvendo a compra da vacina surgiram no âmbito da CPI da Covid, no Senado. Na apresentação do  relatório, o chefe da CGU, ministro Wagner Rosario, buscou desqualificar as descobertas da comissão e criticou o servidor do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, que denunciou "pressão atípica" para autorizar a importação da vacina mesmo com inconsistências no processo.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga Foto: Walterson Rosa

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Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Rosario declarou que a investigação do órgão detectou como problema duas cartas enviadas ao Ministério da Saúde e supostamente assinadas por um diretor da Bharat Biotech, farmacêutica que produz a Covaxin. A empresa indiana veio a público, na semana passada, informar que não reconhecia a autoria dos documentos, enviados à pasta pela Precisa Medicamentos, empresa brasileira que intermediava a compra. "Esses dois documentos foram confeccionados a partir de um miolo de imagem de texto em português sob uma moldura de imagem de outro documento digitalizado", disse. "Não temos certeza de quem fez isso." A principal irregularidade discutida pela CPI, que inclusive citou o presidente Jair Bolsonaro nas tratativas sobre a Covaxin, não foi reconhecida na auditoria da CGU. O servidor Luis Ricardo e o irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF), exibiram invoices (notas fiscais internacionais) entregues pela Precisa que contrariavam termos do contrato. Dentre os erros, estavam o pedido de pagamento a uma terceira empresa (Madison Biotech) e de forma 100% adiantada, o que também contrariava o acordo formal. O ministro não enxergou problemas nas invoices. Segundo ele, todas as imprecisões das notas fiscais foram detectadas pelo controle interno da Saúde, e a fiscal do contrato, Regina Celia Oliveira, detectou e promoveu a resolução dos problemas.

Segundo os irmãos Miranda, a primeira nota fiscal chegou à Saúde em 18 de março. O ministro da CGU considera que o documento só foi recebido no dia 22 daquele mês, narrativa que converge com a do Palácio do Planalto.  A data é importante porque os irmãos contam que levaram as suspeitas ao presidente Bolsonaro no dia 20 de março. Há um inquérito aberto pela PF para apurar se houve prevaricação por parte de Bolsonaro. A tese dos governistas é de que, se não houve envio da invoice em 18 de março, o presidente não poderia ter sido avisado sobre as inconsistências na nota fiscal no dia 20, e a suspeita de prevaricação não se sustentaria.  

Nos trâmites para comprar a Covaxin, Luis Ricardo era chefe da Divisão de Importação do ministério. Rosario criticou o fato de o servidor ter feito a denúncia ao irmão e ao presidente. "A única coisa que a gente vai esclarecer para ele (Luis Ricardo) é que dentro do governo federal existe um mecanismo chamado FalaBR, que é um canal de denúncia. Canal de denúncia não é procurar irmão, nem procurar o presidente", disse. "Canal de denúncia está dentro do governo e ele vai ser esclarecido de que isso traz muito mais efetividade ao processo do que ficar conversando por fora das atividades de trabalho."

Reação da CPI

Membros da CPI avaliaram que Rosario menosprezou o trabalho da comissão e rebateram as críticas. Para o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), o ministro age em defesa do governo. "A gente tem hoje uma Olimpíada paralela, né? Tem a Olimpíada de Tóquio, com os esportes já conhecidos, e tem uma espécie de Olimpíada de puxa-saquismo do governo Bolsonaro, onde você tem figuras se dedicando ao máximo nesse caminho de tentar tapar o sol com a peneira e agradar o presidente da República", disse Vieira. "É lamentável porque é um órgão de Estado, não é um órgão de governo."

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Ao apresentar as conclusões do relatório nesta quinta, Rosario disse também que não houve sobrepreço no preço da Covaxin e que o valor do imunizante, de US$ 15, é "aderente aos preços praticados pela empresa em suas negociações a nível mundial".

O ministro não relatou, contudo, se houve tentativa de negociação do valor da vacina durante o processo de aquisição. Como revelou o Estadão, o valor de US$ 15 por dose é 1.000% mais alto do que a própria fabricante estimou seis meses antes, em agosto de 2020.

Telegrama da embaixada brasileira na Índia registrou que, em um evento na Índia, a Bharat informou que o preço por dose da vacina, quando estivesse pronta, poderia ser de 100 rúpias (US$ 1,34, na cotação da época). Este valor não chegou a ser oferecido ao governo brasileiro. Em abril deste ano, após ter fechado contrato com o Brasil, a empresa divulgou uma tabela de preços com valores mais altos para exportação do que para o mercado interno. A vacina foi a mais cara negociada pelo governo brasileiro.

Segundo o ministro da CGU, a contratação de 20 milhões de doses também está justificada, embora haja uma "incompletude de informações" sobre o porquê de o Ministério da Saúde ter definido esta quantidade de vacinas como a ideal. O chefe da CGU declarou ainda que a celeridade na contratação da CGU também foi justificada. O ministro comparou a compra com a aquisição da vacina russa Sputnik e não com outros imunizantes. Trata-se de mais uma das possíveis ilegalidades levantadas pela CPI e que o ministro buscou minimizar.

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Cancelamento do contrato

O ministro da Saúde declarou que, em virtude da Lei de Licitações, a Precisa Medicamentos será notificada para apresentar sua defesa. Segundo Queiroga, o objeto da contratação foi perdido, pois as vacinas não foram entregues no prazo contratual. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária não autorizou o uso do imunizante de forma emergencial ou definitiva. Na terça-feira, 27, a Anvisa suspendeu licença excepcional e temporária que havia concedido ao Ministério para importação da vacina.

"Mesmo que a Anvisa tenha ultimamente autorizado a importação, o número de doses que nós poderíamos importar era um número muito pequeno, que em nada alteraria o curso do nosso Programa Nacional de Imunização", disse Queiroga. 

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"A própria Bharat Biotech desconstituiu a Precisa como sua representante no Brasil. O contrato, independente de qualquer outro ponto, ele já perdeu o objeto e o Ministério da Saúde apenas aguarda o posicionamento da Precisa para considerar esse assunto Bharat Biotech encerrado no âmbito administrativo."  

Em nota, a Precisa informou que a contratação foi regular e atendeu ao interesse público. A empresa diz que os documentos fruto de colagem foram produzidos por uma parceira da Bharat Biotech, a Envixia, e que essa constatação motivou a ida de seus executivos à Índia para tratar do encerramento do vínculo com o laboratório indiano.