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Após 32 anos, termina o trabalho com as ossadas da vala de Perus

Retirada de material genético compatível com desaparecidos na ditadura se encerra em abril e resultado sairá em 10 meses

Foto do author Marcelo Godoy
Por Marcelo Godoy
Atualização:

Após 32 anos, os trabalhos de identificação das ossadas encontradas na vala comum do cemitério Dom Bosco, em Perus, na zona oeste de São Paulo, chegam ao fim em abril. É quando deve acabar a retirada de material genético das 901 caixas com ossos com características de sexo, idade e altura compatíveis com os 40 desaparecidos políticos que teriam sido enterrados no lugar por agentes da ditadura militar.

Já foram concluídas 819 análises dos chamados indivíduos principais, cujos ossos estavam nas caixas. Entre eles foram identificados cinco desaparecidos políticos: Dênis Casemiro, Frederico Antonio Mayr, Flávio de Carvalho Molina, Dimas Antonio Casemiro e Aluísio Palhano Ferreira.

Vala clandestina foi aberta em 1990; peritos estimam ter achado restos mortais de 1,3 mil indivíduos. Foto: Itamar Miranda/AE

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Os peritos da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) esperam concluir a retirada do material genético das 81 ossadas que ainda precisam ser analisadas até o fim de março. O resultado final da análise dessas ossadas será conhecido em dez meses, quando os exames de DNA ficarão prontos, encerrando o processo de identificação de corpos.

As datas foram confirmadas pelo coordenador científico do Grupo de Trabalho Perus, Samuel Ferreira, em audiência na Justiça Federal na sexta-feira passada. Dela participaram representantes da União, da Prefeitura de São Paulo, do Ministério Público Federal e da Unifesp, cujo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (CAAF) é o responsável, desde 2016, pelo trabalho com as ossadas. Atualmente, os peritos envolvidos são contratados pela universidade.

Trabalho

Em 4 de setembro de 1990, a vala clandestina foi aberta. Nela havia 1.049 conjuntos com ossos. “Em 26% deles há mistura de indivíduos. Ao todo, nós estimamos que os restos de 1,3 mil a 1,4 mil pessoas estavam na vala”, afirmou o professor Edson Teles, coordenador do CAAF. Durante os trabalhos no centro forense, os peritos separaram as ossadas que tinham possibilidade de serem de desaparecidos com base em critérios de altura, sexo, idade. Selecionaram 901 ossadas e extraíram material genético dos ossos para os exames de DNA. “A conclusão dessa fase dos trabalhos será um marco na história da vala”, disse Teles. 

Com isso, as 1.049 caixas devem ser transferidas do CAAF para um memorial que será construído pela Prefeitura, conforme previsto em lei e acordado com a Justiça Federal. O memorial terá uma dupla função: além de preservar a memória, permitirá, no futuro, novas análises em caso de melhora na tecnologia de identificação das ossadas ou análises das caixas em que há mistura de indivíduos. Aqui surgiu um novo problema: o imóvel da sede atual do CAAF foi comprado por uma construtora, que pretende derrubá-lo em junho. Até lá, será necessário construir o memorial, cujas obras ainda não começaram, e achar uma nova sede para o centro. O juiz Eurico Zecchin Maiolino, da Justiça Federal, fará audiência sobre o caso na sexta-feira.

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Histórico

O trabalho com as ossadas se arrastava desde a descoberta da vala, feita clandestinamente em 1976. À época, a administração do cemitério pensava em construir um crematório para se desfazer dos ossos. Além de desaparecidos políticos, vítimas de violência policial, moradores de rua e pessoas cujos corpos não foram reclamados pelas famílias estavam ali. No caso dos desaparecidos políticos, muitos foram enterrados com nomes falsos, mas, nas fichas arquivadas no cemitério, constava a letra “T”, para identificá-los como “terroristas”. 

Em dezembro de 1990, os ossos foram transferidos para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde dois desaparecidos foram identificados na vala – outros três foram achados em outra área do cemitério. Os trabalhos ficaram paralisados e a equipe médica da Unicamp foi acusada de negligência com as ossadas, o que causou a retirada delas da universidade e a sua guarda no ossário do cemitério Araçá, em São Paulo, onde tudo ficou parado por mais de uma década. O ossário chegou a ser atacado por vândalos em 2013 antes de a Prefeitura fechar o convênio com a União e a Unifesp a fim de concluir os trabalhos de análise e identificação das ossadas.