Apesar de rigor da lei, pesquisas mambembes se espalham no País

Pequenos institutos mimetizam nomes dos grandes e utilizam metodologias pitorescas e até sem muita lógica

Por Lucas de Abreu Maia
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A lei brasileira é a mais restritiva do mundo em relação a pesquisas de intenção de voto: exige registro prévio de cinco dias, sob pena de multa de até R$ 100 mil, e cadastro tão detalhado que contém até estatísticas que só poderiam ser calculadas no fim do levantamento, como margem de erro. Nem por isso as pesquisas registradas no Tribunal Superior Eleitoral estão livres de inconsistências metodológicas, cadastros pitorescos e nomes de institutos questionáveis.Pesquisa do instituto B.S. Cavalcante feita em Manaus, por exemplo, definiu uma amostragem de 43% de homens e 53% de mulheres. Não há informações sobre os 4% restantes.Cadastro do instituto J.J. Coelho, no Acre, tenta explicar o que é a pesquisa por amostragem: "Reside na apreensão sistemática e extensiva das opiniões dos indivíduos inseridos no universo e que integram a realidade a ser investigada. A validade deste tipo de pesquisa está na possibilidade de se aferir à (sic) intensidade de tendências, permitindo a sua quantificação e qualificação".Parece, mas não é. No interior do País, é possível achar empresas com nomes "inspirados" em marcas de destaque. Em Goiás, há três pesquisas registradas pelo Dadosfolha - sem relação com o paulistano Instituto Datafolha. A empresa não tem site e não foi localizada pela reportagem.O Estado campeão em pesquisas registradas até agora (58) é o Piauí, 15.º colégio eleitoral do País - com o maior eleitorado do Brasil, São Paulo teve sete levantamentos desde janeiro. Lá, a maior parte das pesquisas é feita no interior, com foco na eleição para deputado, segundo João Batista Teles. Ele é presidente do Instituto Amostragem, até 2007 conhecido como Ipop, sigla para Instituto Piauiense de Opinião Pública. A sonoridade levou o Ibope, maior instituto de pesquisa do País, a entrar com processo pedindo a alteração do nome.O banco de dados do TSE indica ainda que um mesmo estatístico é responsável por vários institutos. O mais ocupado cuida das pesquisas de sete empresas, em regiões que vão do Amazonas ao Distrito Federal. A reportagem tentou contactar esses profissionais, mas eles não responderam às ligações.Além de aferir o potencial de vitória de um candidato, pesquisas Brasil afora são usadas por políticos como divulgação de seus nomes. Muitos têm influência sobre jornais e rádios locais, contratam pesquisas e só decidem divulgá-las se considerarem o resultado favorável.Para Marcia Cavallari, CEO do Ibope Inteligência, o cadastro de pesquisas é importante para dar transparência ao processo. Afinal, é só porque os dados são abertos a consulta pública que é possível identificar inconsistências. "Antes de a lei ser aprovada em 1997, havia muito político que divulgava 'pesquisas' do Ibope que nunca tinham sido feitas", diz. "Depois da lei, isso diminuiu muito. Mesmo assim, em 2012 tivemos conhecimento da divulgação de 83 pesquisas que o Ibope jamais tinha feito."Marcia ressalta, porém, que o prazo de cinco dias para registrar um levantamento antes de divulgá-lo é muito longo. "Nesse período, é possível que alguém contrate uma pesquisa interna e, a partir dos resultados, manipule o mercado financeiro."

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