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‘Anistia a torturador foi o pior momento’

Entrevista com Tarso Genro, governador eleito no RS

Por Elder Ogliari
Atualização:

PORTO ALEGRE - A seis dias de se tornar - em sua terceira tentativa - governador do Rio Grande do Sul, o ex-ministro Tarso Genro (PT) recorda, aliviado, o pior momento que viveu em toda sua vida política. Foi em abril passado, quando o Supremo Tribunal Federal entendeu que os benefícios da anistia também se aplicariam a indivíduos que torturaram durante o regime militar de 1964.

 

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Uma de suas grandes causas, o combate aos abusos da ditadura, sofria um revés. Mas o troco, lembra ele, veio em seguida, quando a Corte Interamericana dos Direitos Humanos, da OEA, firmou um entendimento contrário - de que a Lei da Anistia não garantiria o perdão para os torturadores.

 

Depois de comandar a Prefeitura de Porto Alegre por duas gestões e passar por quatro ministérios do governo Lula, o futuro governador, hoje com 63 anos, amadureceu um plano para assumir o governo gaúcho: o modelo a ser seguido, para comandar um orçamento de R$ 30,8 bilhões, é o do próprio presidente, tanto na estratégia econômica como nas composições políticas. A respeito dessas alianças, admite que "a realidade do País é muito mais complexa do que aquela visão que tínhamos no início da nossa história". Ou seja, a ideia de um "campo popular" de um lado e "uma direita conservadora" de outro, não basta para governar. Daí o PT ter ao seu lado, em várias alianças nacionais, antigos adversários, como PP e PR. No caso gaúcho, para garantir o apoio e maioria na Assembleia, o governador eleito montou um governo de coalizão que inclui o PC do B, o PSB, o PDT, o PRB e o PTB.

 

Em entrevista ao Estado, Tarso não esconde: seu projeto, ao assumir, é conseguir chegar a 2014, com "metade do acolhimento" que tem hoje o presidente Lula. Ele admite que o PT pode até abrir mão da cabeça de chapa para a prefeitura de Porto Alegre em 2012.

 

Partidos como o PR e o PP integram governos petistas. Ideologia não conta mais?

 

Quando o PT dizia que esses partidos não compunham o campo democrático e popular era totalmente verdadeiro. E continua sendo. Só que hoje a capacidade de direção sobre o Estado não pode ser feita somente a partir do campo democrático e popular. Isso foi demonstrado pelo presidente Lula. O que o PT fez foi, na verdade, aquilo que fez o filósofo Hegel, maduro, em relação à sua filosofia: reconciliação com a realidade. Ou seja, a realidade do País é muito mais complexa do que aquela visão que nós tínhamos no início da nossa história, de que é "aqui está de um lado o campo democrático popular e do outro lado está a direita conservadora e a reação política". Isso não é verdade.

 

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Qual foi o pior momento de sua carreira?

 

Foi a decisão do STF que, em abril, entendeu que a Lei da Anistia se aplicava a indivíduos que torturaram. Acho que isso foi muito grave para a democracia do Brasil porque abriu uma perspectiva também de anistia para pessoas que cometerem tortura daqui por diante. Se uma lei de anistia perdoa torturadores, uma lei de anistia pode tudo também daqui para a frente. Mas felizmente a decisão da Corte Interamericana de Justiça (que, pouco depois, condenou o Brasil e afirmou que a Lei de Anistia não garante a impunidade dos que torturaram durante o regime militar, de 1964 a 1985) colocou as coisas nos eixos. Essa decisão deixou, na minha opinião, constrangidos os que me atacaram fortemente naquela oportunidade. Eu festejo que a decisão do Supremo foi por apenas um voto. O que demonstra que tem uma corrente dentro tribunal que já se abrigava na mesma posição da Corte Interamericana.

 

Isso abre algum caminho para que o Brasil reveja a questão?

 

Sim. Na minha opinião, o Brasil está obrigado a cumprir essa sentença, obviamente de maneira processual e verificando as condições institucionais e constitucionais. Mas deve fazê-lo.

 

E o sr. vive agora seu melhor momento?

 

O melhor momento ainda está por vir. É eu terminar o mandato com pelo menos a metade do acolhimento que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem ao terminar o seu.

 

Quais são suas próximas ambições políticas? A reeleição? A Presidência, no futuro?

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Não. Eu acho que essa questão da Presidência não está destinada a ser colada na minha militância. Eu quero fazer um excelente governo de quatro anos. Essa é minha ideia. A partir do terceiro ano de governo é que vai se começar a discutir a sucessão.

 

A indicação de José Eduardo Martins Cardozo para o Ministério da Justiça é continuidade de sua gestão?

 

Continuação e superação. Porque ele partirá de um patamar novo e fará uma excelente gestão. É um quadro político altamente preparado para fazê-la.

 

O que é mais urgente na pauta junto ao governo federal?

 

A renegociação da dívida não é mais necessária porque a contrapartida da União, através de investimentos do Estados, já satisfaz essa questão. Acho que a principal questão da agenda do nosso primeiro ano é organizar a máquina para trabalhar, obter fontes de financiamento para nossos investimentos e combinar com a União um processo de desenvolvimento integrado a partir de investimentos maciços que o governo federal está fazendo de infraestrutura aqui no Rio Grande do Sul.

 

E a reforma tributária?

 

Vamos militar na defesa da reforma tributária, mas sabemos que há duas espécies de maldições que nos perseguem no País. É que normalmente os Estados do Norte e Nordeste não querem a reforma política e São Paulo não quer a tributária. Vai ser uma luta bastante difícil.

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