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Análise: Tanto quanto combate à corrupção, preservação dos direitos é essencial

O que assegura o combate eficaz à corrupção é a independência dos órgãos de inteligência frente ao poder

Por Mamede Said
Atualização:

Na maior parte dos países, a transmissão de dados fiscais e financeiros sigilosos entre as unidades de inteligência financeira e as autoridades de persecução penal está sujeita a alguma forma de controle. Se há fundadas razões para desconfiar que certas movimentações bancárias são suspeitas, o caminho é solicitar ao Poder Judiciário a quebra do sigilo fiscal ou bancário, e não permitir que o Ministério Público possa, de forma indiscriminada, ter acesso irrestrito a dados que estão constitucionalmente protegidos, mas que são suscetíveis de serem acessados por determinação judicial.

A estátua da Justiça, em frente ao prédio do STF, na Praça dos Três Poderes Foto: Dida Sampaio/Estadão

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O filtro do controle jurisdicional é importante para que direitos e garantias de estatura constitucional (como são o sigilo e a privacidade dos dados do contribuinte) sejam preservados e só possam ser disponibilizados a outros entes - que não aqueles responsáveis pelo monitoramento de informações sigilosas - por razões justificadas, após passarem por um juízo quanto à sua adequação e necessidade.

A identificação dos titulares das operações bancárias e de seus montantes globais é informação que, na compreensão do Supremo Tribunal Federal, pode ser compartilhada pelas unidades de inteligência financeira com os órgãos de persecução. O que não é possível é o acesso ilimitado a dados que, segundo a Constituição, só podem ser acessados por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer.

O que assegura o combate eficaz à corrupção é a independência dos órgãos de inteligência frente ao poder governamental, de maneira a se manterem livres de injunções políticas e de interesses localizados. Tanto quanto o combate à corrupção, a preservação dos direitos e garantias individuais é condição essencial para que se preserve o Estado Democrático de Direito, evitando-se sua violação, como infelizmente tem ocorrido por parte de agentes públicos que menosprezam a autoridade da Constituição e a reserva de jurisdição que ela consagra ao dispor que a prática de determinados atos está submetida à esfera única de decisão do Judiciário.

* Mamede Said é coordenador da Faculdade de Direito da UnB

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