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ANÁLISE: ‘Prova acima de qualquer dúvida razoável’ é do direito anglo-americano

Caro ao juiz Sérgio Moro e a procuradores da República como Deltan Dallagnol, critério se contrapõe a princípios adotados pela Constituição de 1988

Por Luiz Maklouf Carvalho
Atualização:

Prevaleceu, no 3 a 0 contra o recurso do ex-presidente Luiz Inácio da Silva, o princípio anglo-americano que aceita como critério para a condenação do réu a existência de prova acima de qualquer dúvida razoável (beyond a reasonable doubt). Caro ao juiz Sérgio Moro – que o defende em seus livros e o cita na sentença recorrida – e a procuradores da República como Deltan Dallagnol, o critério se contrapõe a princípios adotados pela Constituição de 1988 – como o da presunção da inocência, ou presunção de não-culpabilidade, e o in dúbio pro réu.

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Quem explicitou que usaria o critério da dúvida razoável como baliza de seu voto foi o desembargador João Pedro Gebran Neto, relator do recurso. Respaldou-o com posições de dois ministros do Supremo Tribunal Federal – Rosa Weber e Dias Toffoli. Não as leu, porque constavam do voto escrito, mas as citou. Poderia, se quisesse, ter citado a posição contrária de outro ministro, como a da hoje presidente Cármen Lúcia, ou, mesmo, do ministro decano Celso de Mello, algumas vezes questionadores do conceito não acolhido pela Constituição.

Essa discussão está bem posta em livro do procurador Dallagnol – As lógicas das provas no processo. Apoiando-se também em obras do juiz Sérgio Moro, o procurador, um dos que assinam a denúncia contra o ex-presidente, defende a relatividade da presunção da inocência e, em contraponto, a valoração mais efetiva da prova indireta, especialmente no julgamento de crimes do colarinho branco, mais difíceis de comprovação factual.

O procurador mostrou, no livro citado, a quantas andava essa discussão no Supremo Tribunal Federal. Citou, entre os eventualmente favoráveis à reasonable doubt os dois ministros que Gebran Neto também citou. Acrescentou o contraditório da ministra Cármen Lúcia. Durante o julgamento da Ação Penal 470, o chamado mensalão, a ministra disse: “Para a condenação, exige-se certeza, não bastando, sequer, a grande probabilidade”. Dallagnol comenta: “Na contramão do que temos estudado, a ministra Cármen Lúcia, também no julgamento do mensalão, defendeu que ‘a condenação em processo penal exige juízo de certeza, não bastando a ausência de dúvida razoável sobre a existência do fato imputado ao agente”. Moro é citado mais uma vez: “Cumpre ressaltar, com Moro (no livro Crime de lavagem de dinheiro), que o standard para além de dúvida razoável é um elevado standard, exigido para a condenação do réu a penas criminais”.

Considerando-se que os constituintes não incorporaram essa interpretação – e sim a presunção de inocência e seu corolário in dúbio pro réu - é discussão para mais de metro. Poderia ter vindo à tona com os advogados de defesa do ex-presidente Lula – questionando objetivamente a qualidade das provas, e não chovendo no molhado com alegações de nulidade e falta de imparcialidade altamente improváveis de prosperar. Preferir o genérico “não há provas” é obviamente ineficaz à medida que o juiz arrolou uma a uma as que considerava como tais – e arredondou a sentença somando-as a depoimentos e outros indícios.

Mais objetivo, e menos inócuo, seria elencar dúvidas residuais sobre cada uma delas – no mínimo para eventualmente diminuir o peso das que foram consideradas provas acima de qualquer dúvida razoável. Problema da defesa, é claro.

Na sentença recorrida, e confirmada pela unanimidade da 8.ª Turma, Moro traz o tema citando decisão de Gebran Neto em outra confirmação de sentença sua na Operação Lava Jato. Diz o desembargador, na página 176: "A presunção de inocência, princípio cardeal no processo criminal, é tanto uma regra de prova como um escudo contra a punição prematura. Como regra de prova, a melhor formulação é o 'standard' anglo-saxônico - a responsabilidade criminal há de ser provada acima de qualquer dúvida razoável -, consagrado no art. 66, item 3, do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional', consoante precedente do STF, na AP 521, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 05.02.2015".

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Moro usa literalmente a expressão no ponto 778 da sentença: “Há que se reconhecer como provado, acima de qualquer dúvida razoável, considerando cumulativamente a prova material e a quantidade de depoimentos, incluindo dos pagadores de propinas e dos beneficiários, que os contratos discriminados na denúncia, entre a Petrobrás e os Consórcios CONPAR e CONEST/RNEST, integrados pela Construtora OAS, seguiram as regras do esquema criminoso que vitimou a Petrobrás”.

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