Análise: Pacote empilha projetos desconexos para vencer impressão de paralisia

Empacotamento de medidas díspares evidencia ansiedade de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas

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Por Vera Magalhães
Atualização:

O que fica do discurso de pouco mais de quatro minutos de Jair Bolsonaro na solenidade de lançamento de um pacote desconexo que junta medidas importantes e outras irrelevantes por ocasião dos cem dias de governo é frase do presidente de que sua administração navega em “céu de brigadeiro”.

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Trata-se de uma boa dose de desconexão da realidade que marcou os três meses inaugurais de seu mandato. O empacotamento de medidas tão díspares, no entanto, trai as palavras do presidente e evidencia uma ansiedade generalizada de mostrar que a gestão vai sair da paralisia provocada por excesso de polêmicas ideológicas bestas e inexperiência da equipe —a começar do comandante.

Entre as medidas relevantes estão o projeto que dá autonomia ao Banco Central, o acordo de cessão onerosa com a Petrobras, a uniformização de regras para nomeações de dirigentes de bancos públicos com as exigências que já vigoram para instituições privadas e o “revogaço” que vai limpar a burocracia estatal de uma série de normas já caducas.

São importantes porque estão em linha com promessas de campanha de destravar a economia, dando-lhe uma diretriz liberal e pró-investimento e porque sinalizam o caminho, também vendido como promessa por Bolsonaro, de profissionalizar a gestão pública.

Há aquelas medidas-pegadinha, que querem afetar grande importância quando não têm a mínima. Nesse rol estão a extinção de cargos que já estavam vazios e de conselhos criados pelo assembleismo petista que estavam desativados e —ao contrário do que podem pensar os bolsonaristas iludidos— não implicavam em jetom para os integrantes.

Jair Bolsonaro assinou diversos atos em solenidade que marcou o centésimo dia de seu governo Foto: Joédson Alves / EFE

Há ainda as medidas que são meros “calhaus”, jargão jornalístico para uma notícia ou anúncio que você encaixa para tapar buraco numa página. Nesse grupo estão coisas exóticas como a uniformização do domínio “.gov” nos sites oficiais e a mudança na forma de tratamento nas comunicações oficiais.

E existem, por fim, anúncios que têm de ser analisados melhor porque podem significar retrocessos, como a lei que institui o ensino domiciliar, que deve gerar controvérsia com o STF, e a conversão de multas ambientais, que pode virar senha para um vale-tudo na área.

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O fato é que a grande medida que se espera do governo são as reformas estruturantes. Bolsonaro falou na Previdência e prometeu empenho —que, diga-se, vem dedicando em doses maiores nas últimas semanas. Mas urge profissionalizar o acompanhamento de votos na Câmara dos Deputados, planilhando os apoios, monitorando as bancadas e se antecipando às tentativas, que virão, de desidratar o texto.

A reforma, por ora, não navega em mar de brigadeiro. Para piorar as marolas, o secretário da Receita, Marcos Cintra, tratou de jogar um arremedo de CPMF na praça ao antecipar o esboço da reforma tributária.

Claro que a Previdência não será o único projeto de todo o governo, e é compreensível a necessidade de marcar a efeméride dos cem dias com algo propositivo depois de tanta crise. Mas ou o governo volta sua energia para colocar a proposta em marcha de uma vez —até agora ela patina numa CCJ circense — ou não haverá pacote que ajude a melhorar a avaliação periclitante que Bolsonaro tenta negar.

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